A JORNALISTA | PARTE II | CAPÍTULO 6 - O detetive Australiano
Perestrelo
era um detetive privado com vastos conhecimentos e alguns contactos. Era membro
efetivo da Conference of International Investigators (CII) o que lhe trazia algumas vantagens.
«Este ano a conferência internacional dos
investigadores privados é na Austrália. Vou uns dias antes e aproveito para ir
até Brisbane falar com o um dos detetives locais.» Disse Perestrelo à advogada.
Ela encolheu os ombros e assentiu com a cabeça. Era bom que ele
obtivesse informações novas pois o tempo voava e eles estavam num beco sem
saída. Perestrelo tinha conhecido o Levi Arlinton, num dos cursos de formação
que fez nos Estados Unidos. Utilizavam métodos muito semelhantes e já tinham
cooperado numa o noutra ocasião. Se ele conhecesse investigadores particulares em
Brisbane podia ser uma grande ajuda. Isso não era muito provável, pois vivia e
trabalhava sobretudo em Sidney, mas valia a pena tentar.
O avião estava completamente cheio. Perestrelo levantou-se pegou
na sua mochila e foi falar com a Chefe de cabine. Depois de algumas explicações
ela acedeu a deixá-lo sair do avião. Os dois homens olharam um para o outro sem
saber o que haviam de fazer. Levantaram-se e dirigiram-se para a entrada do
avião. O corredor estava vazio pois aguardavam por um passageiro VIP, que
apenas embarcaria depois de todos os restantes passageiros.
«Bom dia. Os senhores não podem sair. Façam o favor de voltar para
os vossos lugares.» Disse a Chefe de cabine.
«Desculpe mas se o passageiro que ainda agora estava aqui a
falar consigo desembarcou, nós também o podemos fazer.» Disse um dos homens.
«Esse passageiro tem um estatuto especial. Posso ver a sua
identificação?»
O homem mostrou um cartão de cidadão e a Chefe de cabine mandou-o
sentar. Quando eles se afastaram Perestrelo que se tinha refugiado no cockpit
voltou à cabine ainda a tempo e ouvir um comentário dos homens.
«O Perestrelo enganou-nos.» Disse um deles.
O outro pegou no telefone e fez uma chamada falando em Inglês.
Perestrelo já não tinha qualquer dúvida. Desde há três dias atrás que ele
sentia que estava a ser seguido, mas nunca tinha conseguido identificar os seus
seguidores, sobretudo porque eles utilizavam várias pessoas para o seguir.
Agora já conhecia dois deles. Deixou que eles se sentassem e quando chegou o
passageiro VIP ele regressou ao seu lugar. Perestrelo percebeu o alívio que a
expressão do rosto dos homens evidenciava mas manteve-se impassível. Era a vez
de ele jogar ao rato e ao gato! Eles não podiam perceber que tinham sido
descobertos.
Quando chegou a Sidney foi direto para o hotel. Era fundamental
não deixar transparecer o conhecimento da presença deles. Entrou no elevador e pressionou
a tecla com o número do piso do quarto. O hotel apenas tinha uma saída pelo que
os homens que o vigiavam ficariam no lobby à sua espera. Largou as malas no
quarto, vestiu uma camisa havaiana e uns calções, colocou um boné, um bigode e
uns óculos de sol, calçou uns ténis e desceu os sete pisos da escada a correr.
Entrou no lobby de mapa na mão e passou mesmo ao lado dos dois homens. Eureka!
Eles não reconheceram. Olhou em volta como quem procura alguém e depois
encolheu os ombros e sentou-se. No local onde estava podia observar os dois
homens quase sem ser visto. Foi assim que percebeu a chegada das três mulheres
e de mais um homem. Entre os seis distribuíram as tarefas. Estavam os seis
sentados e algo impacientes. Pelos vistos ainda aguardavam a chegada de uma
pessoa. Perestrelo arregalou os olhos e abriu a boca. A mulher era uma estampa!
O seu equipamento de escuta permitia-lhe ouvir tudo o que diziam. Ela ia ser o
isco. Nos próximos dias ia ser abordado por ela na tentativa de o seduzir e lhe
arrancar as informações que ele tinha sobre o caso do assassinato da Jornalista
no palacete da Lapa, em Lisboa. Perestrelo voltou para o quarto e decidiu mudar
de estratégia. Ligou a um amigo que veio ter com ele ao hotel, entrando sem
que os homens percebessem para onde ia. A estratégia estava combinada.
Perestrelo passou o resto do dia entre o quarto e a piscina. Numa das idas ao
quarto, percebeu que lá tinha estado alguém. Decidiu não mexer nos dois
microfones que tinham sido instalados no quarto. No entanto, as conversas passaram
a ser inocentes ou deixavam pistas completamente falsas. No segundo dia ele
saiu do quarto disfarçado e foi até Brisbane. Iria regressar apenas no dia
seguinte. No seu lugar ficou o amigo. Estava proibido de sair do quarto! De
forma ostensiva deixou uma mensagem na receção de que estava com uma entorse e
contratou um fisioterapeuta para o tratar. Os homens que vigiavam Perestrelo estavam
inquietos, mas quando indagaram por ele ficaram tranquilos. Entretanto
Perestrelo investigava a vida de Roger Walker em Brisbane.
No primeiro dia visitou os locais que Walker costumava
frequentar. Percebeu que ele não era uma pessoa muito conhecida. Toda a gente
se lembrava do escândalo da escola de surf, mas eram poucos os que o associavam
ao seu nome. Com o tempo as pessoas tinham esquecido Roger Walker e o escândalo
passou a ser associado aos dois irmãos. Apesar disso, havia quem se lembrasse
perfeitamente do instrutor de surf e lhe atribuísse um quota parte das responsabilidades
na angariação de turistas para as festas de fim de semana. Aparentemente ele
tinha um papel muito ativo dado o seu sucesso entre as mulheres. Cansado de
calcorrear bares e discotecas em Brisbane e em Byron Bay Perestrelo dirigiu-se
para o hotel onde iria pernoitar. Cumprimentou o taxista e indicou-lhe o hotel
para onde ia.
«O senhor não é australiano.» Disse o taxista.
«Acertou. Também é capaz de dizer de que país sou?.» Perguntou
Perestrelo.
A troca de palavras tinha sido feita em inglês, mas de súbito
tudo mudou. O taxista dirigiu-se a ele num português perfeito mas com um
sotaque estranho. Um misto de sotaque açoriano com australiano.
«O Senhor é Português.» Disse o taxista.
Perestrelo ficou surpreendido. Não era muito comum encontrar-se
um Português por aquelas bandas. Tratava-se de um emigrante açoriano que
demonstrou estar muito atualizado. Ele sabia perfeitamente quem era Roger
Walker e o que se passava com o Chef de
cozinha em Portugal. Tinha-o conhecido quando ele ainda era instrutor de surf.
«Para além disso lembro-me perfeitamente de que as moças que foram
mortas, saíram da festa pelo seu pé. O carro delas avariou a meio caminho de
Brisbane. Quem lhes deu boleia foi um jovem que, a avaliar pelo Porsche que
conduzia, devia ser muito rico. Elas morreram e ele desapareceu nessa mesma
noite.»
Perestrelo não disse quem era nem denunciou o seu interesse no
caso, mas não disfarçou a curiosidade.
«Aposto que uma pessoa tão observadora como você conseguiu ver a
matrícula e ainda se lembra dela.»
«Claro que lembro: era de Queensland QLD–WIN4N.»
«Foi ele o assassino?»
«O assassino nunca foi descoberto.»
«Então a polícia interrogou o condutor e ilibou-o?»
«Não sei se o condutor foi interrogado pela polícia.»
«Como assim?»
«Eu nunca disse a ninguém que tinha sido ele a dar boleia à
jovem.»
Perestrelo ficou perplexo e manteve-se me silêncio durante
alguns instantes.
«Lembra-se de alguma particularidade sobre o carro?»
«O farolim do lado esquerdo estava partido e logo abaixo deste
existia uma amolgadela com marcas de tinta azul.»
«Você daria um grande detetive.» Disse Perestrelo, com um
sorriso maroto.
Perestrelo ia jurar que havia algum arrependimento no tom de voz
dele, mas podia ser apenas impressão sua. Quando chegou ao hotel foi até ao bar
e depois da tosta mista e do sumo bebeu um café e um whisky. Estava na hora de
dormir.
No dia seguinte acordou cedo e foi até à universidade falar com
uns amigos. Era uma visita que não acrescentava nada à sua investigação mas que
não podia deixar de fazer. Depois foi visitar a pessoa que o seu amigo detetive
privado lhe tinha indicado. A visita foi menos proveitosa do que ele esperava,
em termos imediatos, mas abriu-lhe um novo mundo de possibilidades.
«Infelizmente não consigo ajudá-lo. Na altura do escândalo uma
advogada forçou-me a vender-lhe as imagens gravadas pela camara externa. Eu não
vi as imagens mas o carro onde a jovem foi assassinada, foi encontrado à frente
da casa.»
«Lembra-se da matrícula do carro?»
«O carro não tinha matrícula, mas tinha o farolim do lado
esquerdo partido e uma amolgadela com vestígios de tinta azul.»
«Isso não permitiu identificar o condutor da viatura?»
«A viatura tinha sido roubada e o farolim foi partido numa
manobra de marcha atrás. O condutor bateu num portão pintado de azul.»
Perestrelo percebeu de imediato que era o mesmo carro onde as
jovens tinham entrado de acordo com o testemunho do taxista.
«Lembra-se do nome da advogada?»
«O nome que ela deu era falso. Espere, ela telefonou-me
recentemente para saber se tinha aparecido alguém a perguntar por ela. Pode ter
sido impressão minha, mas ela parecia muito assustada.»
«Como é que isso me pode ajudar?»
«Eu penso que ela viu o vídeo. Se conseguir falar com ela talvez
possa saber quem era o condutor. Entretanto, eu consegui localizar a origem do
telefonema e associá-lo a uma morada em Portugal. Vou dar-lha.»
«De que forma é que as imagens deste vídeo interessam para o
caso do Roger Walker?»
«Penso que está tudo ligado. A advogada que veio falar comigo
representava uma família com alguma relação com o Chef Wlaker. Eles tinham algo
a perder é por isso que os gorilas deles destruíram o meu equipamento e ela me
deixou dinheiro suficiente para comprar dois ou três novos.
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