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A JORNALISTA | PARTE II | CAPÍTULO 8


A JORNALISTA | PARTE II CAPÍTULO 8 – A Perseguição

Os dois dias da conferência tinham passado rapidamente. Sentado no avião, ele refletia sobre os últimos acontecimentos. A conversa com Anabela, a advogada de Walker, ao invés de o tranquilizar, tinha-o deixado apreensivo. As pessoas que o seguiam demonstravam um interesse e motivação elevados em impedir o progresso da investigação. Isso para ele não representava qualquer impedimento, estava habituados a esse tipo de contratempos. No entanto, a partir do momento em que a sua integridade física era colocada em causa a coisa mudava de figura. O facto de terem ligado para a Advogada a perguntar por ele, evidenciava essa motivação, mas sobretudo demonstrava que também ela estava em perigo: isso desagradava-lhe de sobremaneira! Quando pensava nisso as suas entranhas revoltavam-se e sentia uma opressão no peito inexplicável. Apesar da viagem ser longa não conseguiu dormir como gostaria. Anabela estava à sua espera no aeroporto. Ela queria ir com ele, de imediato, visitar a pessoa cuja morada o detetive de Brisbane lhe tinha fornecido. Eram vinte e duas horas quando ele chegou, na melhor das hipóteses estariam na casa dela às vinte e três. A presença de uma mulher era suposto amenizar o impacto de uma visita tão tardia: esse tinha sido o argumento que o convencera a levá-la com ele.
Pararam numa manga e a rapidez com que as malas chegaram ao tapete foi surpreendente. «O aumento do turismo está a fazer bem a este país.» Pensou. O impacto de uma multidão ansiosa quando se entra na zona de chegadas do aeroporto era para ele uma sensação estranha, apesar de muitas vezes repetida. Virou à direita, não sem antes lançar um olhar à multidão. De súbito parou e perscrutou as dezenas de rostos à sua frente. A sua visão apurada informou-o que existia um rosto conhecido na multidão. Não se tratava da advogada, mas de alguém que ele conhecia e cuja visão, de relance, lhe deixava uma sensação de preocupação. Era como se algo pressionasse a boca do estômago fechando-o. A visão tinha sido tão rápida que ele não consegui-a associar um nome ao rosto que, mais do que ver, tinha adivinhado estar entre a multidão. Nada. Não conseguiu identificar um rosto conhecido entre os presentes na zona de espera. Encolheu os ombros e seguiu caminho. Tinha imaginado um rosto que não existia ou pelo menos não estava ali. O ar de real preocupação com que Anabela o recebeu deixou-o surpreendido. Apesar de estarem a utilizar o carro dela foi ele que se sentou ao volante.
«Estou preocupada com a tua segurança.» Disse ela.
«Penso que não é caso para tanto. Eu sei proteger-me. O que me preocupa é venham atrás de ti.» Disse ele.
Ela ficou comovida com o cuidado dele mas guardou o sentimento apenas para si e ficou em silêncio.
«Se achares melhor podemos falar com a Mónica Fonseca. Tenho a certeza que ela iria investigar o caso e isso iria aliviar a pressão sobre nós.» Voltou ele.
«É melhor não o fazermos. Ela iria querer saber tudo o que descobrimos e isso pode não ser interessante para o nosso cliente.» Retorquiu ela.
Tinham acabado de entrar no Eixo Central, uma via rápida lateral ao aeroporto, a caminho da Alta de Lisboa. Perestrelo, quando saiu da segunda circular, não seguiu pela Alameda Linhas de Torres, que seria o caminho mais direto. Entrou na Quinta do Lambert e deu algumas voltas por ruas secundárias, passando pelo Parque Europa. Anabela percebeu, pela cara fechada do companheiro, que se passava algo, mas não se atrevia a questioná-lo. Perestrelo olhou pelo espelho e confirmou as suas suspeitas: estava a ser seguido. Acelerou até à rotunda e deu uma volta à mesma. Os seus perseguidores mantiveram-se colados a ele. Entrou na Avenida Álvaro Cunhal, acelerou e aproximou-se vertiginosamente da rotunda, quando se preparava para a contornar um SUV preto saiu da entrada da Quinta da Conchas e cortou-lhe a passagem. Perestrelo fez rodopiar viatura, fazendo um peão. Rodou cento e oitenta graus e ficou parado na outra faixa da rotunda. O carro que o perseguia parou a seu lado, mas virado no sentido contrário. Os homens que seguiam nas duas viaturas saíram das mesmas e aproximaram-se do carro do detetive. Perestrelo deixou-os aproximar e quando um deles lhe apontou uma pistola exigindo que saíssem do carro, ele arrancou a toda a velocidade. Os homens foram apanhados de surpresa. Ele entrou pela Rua General Vasco Gonçalves e seguiu até à rotunda continuando pela Avenida David Mourão Ferreira, indo entrar novamente no Eixo Central. Os dois carros não se encontravam visíveis. Ele entrou na avenida Carlos Paredes e logo a seguir virou à esquerda, na Rua José Cardoso Pires e depois à direita na rua Ferrer Trindade. Parou o carro e manteve-se atento. O telefone de Anabela tocou. Era a Mónica Fonseca a responder à mensagem dela. Anabela explicou onde estavam e o perigo que corriam. A CSCI estava a dez minutos do local. Perestrelo assentiu quando Anabela quis saber se aguardariam ali. Os segundos escoavam-se lentamente. O tempo parecia fazer questão de dar tempo aos perseguidores para os apanharem. Tinham passado cinco minutos e os perseguidores não tinham dado sinal de vida. A tensão dentro do carro estava ao rubro. Perestrelo segurou a mão de Anabela que não parava de tremer. A forma lenta como o relógio contava os segundos era desesperante. Tinham decorrido quase dez minutos quando um dos carros passou lentamente na Rua Cardoso Pires. Quando percebeu onde eles estavam aproximou-se devagar. Perestrelo e Anabela viram-nos aproximar sem se moverem. Mónica Fonseca devia chegar a qualquer momento. Era um jogo arriscado fazer de isco. Se a CSCI não chegasse a tempo a vida deles estava em risco. O carro parou a apenas alguns metros deles. O condutor manteve a viatura a trabalhar enquanto os dois acompanhantes saiam do carro. Quando Perestrelo viu a cara do homem que vinha à frente sentiu que um arrepio de medo lhe percorria o corpo. Era o mesmo rosto que lhe parecia ter visto no aeroporto, mas agora ele sabia perfeitamente de quem se tratava: Era Scott Taylor, o americano, sócio da LTCBK. Era um homem perigoso daqueles que atirava primeiro e perguntava depois. Os dois homens pareciam desarmados, mas o detetive e a advogada mantiveram-se dentro do carro.

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