A JORNALISTA | PARTE V | CAPÍTULO 4 – O correio
Tal como diz o ditado “Depois de casa roubada, trancas à porta”.
Foi isso que eles fizeram. Colocaram um alarme nos escritórios e reforçaram as
portas e fechaduras. Não resolvia o passado mas prevenia o futuro.
«Continuo sem perceber o que procuravam os ladrões.» Disse
Perestrelo.
«Efetivamente é estranho. Eles reviraram tudo e acabaram por não
levar nada.» Disse Anabela.
Era um mistério. O mais irónico de tudo é que os documentos mais
relevantes do processo estavam nas respetivas casas e não no escritório.
Coincidências! Estavam os dois no
escritório de Perestrelo e tinham acabado de passar em revista os relatórios
sobre os vários casos que tinham em mãos. Perestrelo tinha voltado a aceitar
casos não patrocinados por ela e isso tinha provocado uma reação negativa por
parte dela. Anabela entendia que ele deveria trabalhar, em exclusivo, para ela,
fazendo disso uma condição para a continuidade da relação. Ele via as coisas de
forma distinta. Era exatamente por estarem juntos que ele entendia que deviam
deixar de trabalhar um com o outro. Terminada a reunião Anabela partiu. A forma
lacónica como se despediu era a prova que pretendia agir de acordo com as suas palavras.
A relação estava terminada. Perestrelo preferiu assumir que ela estava a
fazer-se difícil e adotou uma estratégia de conquista persistente. Não iria
desistir facilmente. As mensagens e os telefonemas, forçando o retomar da
relação, eram abundantes, mas prontamente rejeitados. O afastamento deles
afetava também a relação profissional, fazendo com que os encontros fossem
menos frequentes e menos produtivos.
Perestrelo estava tão absorvido com os seus pensamentos que o
toque da campainha o sobressaltou. O carteiro pretendia que lhe abrissem a
porta. Decidiu descer e levar a correspondência. Entre contas e cartas dos
bancos, destacava-se uma pequena embalagem que não tinha remetente. Perestrelo
poisou a correspondência em cima da secretária e ficou a revirar a embalagem
entre os dedos. Abriu-a. La dentro estava uma pen drive. Pegou no
portátil velho, cujo disco tinha sido limpo e estava completamente vazio e
inseriu-a. O que viu deixou-o completamente siderado. Viu e reviu os vídeos e
fotografias. Aquilo que estas mostravam era deveras revelador. Ligou para
Anabela, mas sem qualquer resultado. Decidiu enviar-lhe um email pedindo-lhe
para vir ter com ele. Anabela chegou ao fim da tarde, num passo apressado e com
a ansiedade estampada no rosto. Durante horas passaram os vídeos em revista e
quando terminaram ela não queria acreditar no que tinha visto. A informação era
de tal forma impactante que ela tinha esquecido, por momentos, a distância que
se havia imposto em relação a ele. As imagens tinham mexido com ela: estava,
simultaneamente, espantada e excitada
«Aquilo que aconteceu à Anne deve ter sido muito complicado de
gerir emocionalmente.» Disse Anabela.
«Sim. A violação é sempre uma situação traumática. Mas ser violada por um grupo dever ser ainda
pior.»
«Eu não sei o que a incomodou mais, se foi o ser violada, ou o
sentir prazer com a violação.» Retornou Anabela, fixando-o com um olhar febril.
«Seja como for, acho que devemos considerar a ameaça dela como
um assunto muito sério. Tudo indica que as pessoas que morreram estavam a
procurar divulgar este vídeo, o que significa que ela pode muito bem ser a
assassina!»
«Achas que corremos algum risco?»
«Não sei, mas não me senti ameaçado. Penso que a ameaça era
dirigida a outras pessoas. Já reparaste naquela tatuagem?»
«Sim. Não gosto nada de aranhas, apesar desta estar muito bem
desenhada.»
«Não sei bem porquê, mas essa tatuagem faz-me lembrar algo.»
Anabela ficou pensativa durante alguns instantes, depois deu uma
palmada na testa e a sua expressão era a de quem tinha sido atingida por um
raio.
«Tens razão. Lembras-te daquele vídeo onde estava a governanta
do palacete?»
«Claro! Havia uma jovem com a cara tapada que tinha uma tatuagem
exatamente igual e no ombro direito.»
«Tens de voltar a visitar o local. Pode ser que consigas
descobrir algo mais sobre Anne.»
«Tens razão. Temos que nos focar na Anne. A informação relativa
ao americano é irrelevante. Aparentemente para além de traficantes de armas
também traficava mulheres, como objeto sexual.»
Depois de acordarem que não deveriam falar de imediato com Mónica
Fonseca, separaram-se. O sexto sentido de Perestrelo dizia-lhe que Anne não era
a assassina, mas as palavras proferidas por ela eram incriminadoras. A verdade
é que, existia uma elevada probabilidade de as três pessoas que tinham morrido
estarem todas ligadas à divulgação daquele vídeo. No entanto, parecia-lhe um
exagero que alguém pudesse matar por causa disso.
A visita ao local que a governanta frequentava e onde tinham
sido produzido os vídeos, não trouxe muita coisa de novo. Na verdade, serviu
para esclarecer que a jovem era efetivamente Anne. Aparentemente ela pretendia
castigar o corpo por ter sentido prazer com a violação, embora acabasse sempre
por voltar a senti-lo, mesmo quando o expunha a situações ridículas. Teria sido
mais útil que tivesse buscado o apoio de um profissional. A terapia, com apoio
psicológico ou psiquiátrico, podia fazer milagres.
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