A JORNALISTA | PARTE V | CAPÍTULO 9 – Os Herdeiros
A assembleia extraordinária teria lugar dentro de uma
semana. As novas regras sobre o
branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo ameaçavam pôr em causa
o investimento. Ele precisava de fazer entrar em Portugal trinta e cinco
milhões de euros. Não tinha sido um processo fácil, mas conseguiu legitimar a
origem dos fundos. O alarme chegou sobre a forma de um telefonema. Os bancos
tinham sido alertados do processo de divórcio e qualquer valor que desse
entrada em Portugal seria automaticamente arrolado a favor da massa à ordem do
divórcio. Foi o que aconteceu. Aquilo era um pesadelo. Ele possuía outras quantias que poderia
mobilizar, mas não sabia se conseguia colocá-las num banco que pudesse dar a
garantia de liquidar a aquisição das ações. Tinha que ser um banco europeu pois
os americanos ainda eram mais complicados. Começou uma corrida contra o tempo!
Dois dias antes da assembleia geral começaram as reuniões entre
os advogados. Cada acionista tinha o seu. O objetivo era chegar a um acordo
sobre o valor da participação do americano, uma vez que os restantes sócios
tinham, nos termos do parassocial, uma opção para a sua aquisição. Apesar de
nem todos estarem interessados em comprar a participação, todos eles tinham
interesse no valor da avaliação, pois este influenciava o valor da participação
de cada um. Cada advogado era assessorado por um batalhão de consultores, o que
não tornava o entendimento entre eles fácil.
A determinada altura os herdeiros do americano: a mulher e dois
filhos, desentenderam-se sobre a venda. Os filhos queriam a toda a força manter
a participação, na sequência do conselho do seu advogado, um americano bem
conhecido. Jair de Lins tentou cavalgar a onda dos filhos dos americanos. O
objetivo era adiar a reunião e dessa forma conseguir mais tempo para legitimar
os fundos destinados a adquirir a participação do sócio falecido. Foi um
esforço vão! Depois de algumas horas de argumentação judicial o advogado
americano percebeu que estava a ser mal assessorado por um colega português.
Aquilo que ele pretendia pura e simplesmente não era possível. E entrada de
novos sócios para a empresa estava condicionada à aprovação da unanimidade dos
restantes.
Finalmente, ficou definido o valor da empresa e consequentemente
o valor a atribuir à participação do americano. Ficou também acordado que o
exercício da opção teria de ser feito até ao fim da manhã do dia da assembleia.
Jair de Lins estava capaz de matar alguém. Tomou uma decisão drástica. A mesa
era enorme e eles estavam sentados em lugares opostos, tendo ao lado os
respetivos advogados.
«Eu necessito de usar trinta e três milhões de euros para fazer
uma aquisição de ações da LTCBK. Isso é um investimento que não irá reduzir o
valor do ativo a distribuir entre os dois. Só temos a ganhar se autorizares a
sua realização.» disse ele.
Maria Eduarda esperou que o seu advogado se pronunciasse. Ele
não colocou qualquer objeção e deixou a decisão nas mãos dela
«Porque tens assim tanto interesse nesse investimento? Ele vai
dar-nos um ganho assim tão grande?» perguntou.
«Não posso garantir isso. Mas posso garantir que não perdemos
valor.»
«Senão existe ganho financeiro qual o interesse no
investimento?»
Jair hesitou em dar a explicação correta. Era melhor assim. A
mulher e o advogado já tinham demonstrado que não eram nenhuns tontos. A
verdade seria a melhor defesa naquele caso.
«Trata-se de aquisição de uma posição que pode levar ao
domínio da sociedade.»
«Então isso é um investimento para teu benefício!»
«Não! É para nosso benefício. Eu estou disponível a aceitar uma
valorização da participação em dez por cento, para efeitos da partilha, em sede
de divórcio.»
Ela fixou-o, durante alguns segundos, sem dizer uma palavra. Era
notório que ele tinha interesse no investimento. Ela não percebia bem porquê,
mas o facto de ele estar tão interessado era razão suficiente para não aceitar.
«Lamento, mas não vou autorizar a mobilização do dinheiro para
fazer esse investimento.»
Jair de Lins deu um salto na cadeira e levantou-se de rompante.
Estava com a expressão alterada e parecia capaz de lhe saltar para o pescoço a
qualquer momento. Tinha perdido mais uma batalha! Decidiu fazer uma última
tentativa. Falou com os herdeiros e tentou convencê-los a aceitar uma oferta
dez por cento superior se eles aceitassem uma garantia de um banco das Ilhas
Caimão. O filho do americano ainda se deixou convencer, mas a irmã e a viúva
não estiveram pelos ajustes. A decisão sobre o comprador seria tomada dentro de
uma hora, mas com ele fora de jogo, só deveria existir um pretendente.
Mónica estava a ficar impaciente com a ausência de Perestrelo.
Tinha sido informada que a Anabela tinha deixado um testamento e que a abertura
deste requeria a presença do detetive, mas este não tinha pressa em regressar a
Lisboa. Essa era uma das formas de ela poder vir a conhecer a informação que a
advogada possuía, relativamente aos assassinatos, cuja investigação era
responsabilidade sua. Esta bem precisava de um empurrão pois estava
completamente estagnada.
«Quando estás a pensar regressar?» Perguntou, depois de indagar
do seu bem-estar.
«Para a semana. Já combinei a reunião para leitura do testamento
da Anabela, que será na segunda às dez horas.»
«Nesse caso ao meio dia podes vir aqui assinar os documentos e
depois começamos a trabalhar.»
«Não. É melhor isso ficar para terça-feira às nove da manhã.
Depois temos o dia todo para falarmos.» Disse Perestrelo.
Não era bem aquilo que queria que acontecesse, mas não podia
fazer nada quanto a isso. Pelos menos já estava fixada a data e dentro de uma
semana teria aquilo que tanto de desejava: acesso à informação da Anabela e a
colaboração com o detetive.
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