Avançar para o conteúdo principal

A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 3




A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 3 – A busca

Mónica Fonseca estava resplandecente essa manhã. O facto de se ter esmerado na apresentação era uma mensagem subliminar, mas ele não podia esquecer o facto de que eles estavam de lados opostos. Talvez a ideia de trabalhar com ela não tivesse sido a melhor. Pelo menos era o que ditava a experiência com a Anabela. Afastou a imagem do pensamento e concentrou-se no trânsito. «Esta rua está a ficar estranha. Agora temos casais a namorar dentro dos carros estacionados?» O pensamento trespassou-o à velocidade de um relâmpago. A esse seguiram-se vários outros, relacionados com a imagem que ficara gravada no cérebro. Estacionou no seu lugar de garagem e nessa altura tudo ficou claro. Aquilo que chamara à sua atenção foi algo que não realizou de imediato. A mulher que estava no carro, embora estivesse a abraçar o suposto companheiro, tinha o olhar fixado nele: estavam a vigiar os acessos à casa dele. Subiu até ao hall de entrada e foi a pé até ao café da esquina. A entrada principal do prédio também estava a ser vigiada. A coisa tinha escalado: para além de o seguirem, também vigiavam o prédio na sua ausência. Os próximos dias adivinhavam-se muito divertidos.
Perestrelo tinha muito trabalho para fazer e rapidamente esqueceu os homens que o vigiavam na sombra. Reviu os documentos produzidos por ele e Anabela. A informação de que dispunha sobre o caso, depois de somados os relatórios dele e os de Anabela, traduzia-se em muito pouco. Reviu em seguida a informação recebida. Existia sempre a possibilidade de terem deixado escapar alguma pista. Os vários vídeos recebidos, para além de mostrarem uma faceta de Anne que a comprometia, mostravam duas mulheres, num momento de intimidade, sendo que Mentalmente tomou nota que mais tarde teria de explorar a pista da indonésia, nessa altura veria também se podia obter alguma informação nos locais de retiro de Anne, mas de momento era mais importante explorar o passado de Karen. Voltou a rever todo o material recebido, desta vez em busca de pistas menos óbvias. «Quem sabe se não existe uma pista escondida!» Pensou. Riu-se de imediato do pensamento. Isso só acontecia nos filmes ou nos romances. Em todo o caso, passou os envelopes e cartas recebidas a pente fino. Nada.
Fazia tempo que tinha enviado o resumo dos relatórios para o procurador. O conteúdo tinha deixado as autoridades nervosas. A elevada expetativa apenas tinha sido ultrapassada pelo tamanho da desilusão. Apesar disso, ele não tinha desistido e havia mais de uma semana que se dedicava a analisar, em detalhe, o dossier do caso. Tropeçou novamente no livro “O Barão”. Já o tinha lido à procura de pistas sem qualquer sucesso. Passou a mão pela capa apreciando a textura, ao mesmo tempo que deixava o pensamento voar livremente sobre o caso. Era uma edição da SPAUTORES, com uma excelente qualidade. A capa negra era macia e lustrosa. Folheou-o e deteve-se no verso da contracapa. A folha branca que cobria o verso apresentava uma irregularidade. Parecia que tinha sido mal colada, por oposição ao verso da contracapa. Passou a palma da mão por cima. Definitivamente existia uma irregularidade, mas não a que inicialmente tinha imaginado. Por baixo da folha banca existia algo escondido. Observou com mais atenção e percebeu que a folha branca tinha sido descolada e voltado a ser colada. «Meu Deus! Será verdade?» Interrogou-se. Com mil cuidados e recorrendo à técnica do valor de água, descolou a folha branca que revestia o verso da contracapa. O assobio foi o efeito reflexo do espanto que o rosto refletia. O livro tinha um formato ligeiramente superior ao A5, o que tinha permitido esconder uma folha com esse formato, que quase não se notava. Perestrelo leu o texto de uma assentada. Estava febril de excitação. Era seguramente uma charada que escondia uma pista. O mais provável era que fosse sobre o caso. Era preciso não esquecer que o livro tinha sido oferecido por Karen. «Será que ela tinha adivinhado que corria risco de vida?» Pensou. Leu e releu o texto escrito naquela folha de papel sem que isso se revelasse de alguma utilidade. Fosse qual fosse a mensagem que este escondia ele não a conseguia descortinar. Apesar disso, o estado de excitação era tal que o manteve de vigília até perto da meia noite. Era óbvio que o papel conferia o direito a receber algo em troca numa determinada morada. O problema estava na identificação desta. A mensagem tinha duas partes. Num dos versos do papel estava uma espécie de recibo com o seguinte teor:
“Receipt
The Item must be delivered to the holder of this paper, at the address indicated.”
Na outra estava o texto cujo significado lhe escapava.
“Busca o Amor Fraternal. Quando colocares os pés em terra firme procura a Caixa para Depositar o Item. Este ser-te-à revelado quando vires o rosto do grande chefe.”
Era suposto este texto corresponder a uma morada e o insucesso em identifica-la estava a deixá-lo em stress. Decidiu ir dormir. Não havia nada como uma mente fresca para lidar com este tipo de assunto.
Jair parecia um cão raivoso. A tentativa de tomada de poder da sociedade tinha falhado, mas pior que isso era que o cerco se apertava. Tinha em seu poder informações que valiam muito dinheiro e lhe proporcionavam alguma defesa, mas não podia fazer uso delas, pois apenas funcionavam quando acompanhadas com boas somas de dinheiro e ele tinha esbanjado os milhões que não estavam arrolados no divórcio. Estava prisioneiro daquele processo. O melhor era dar-lhe tudo o que ela queria e acabar com aquilo rapidamente. O toque do telefone trouxe-o de novo à realidade. Era o seu braço direito a reclamar vários pagamentos. Já tinha perdido alguns homens, por isso o melhor era saldar todas as contas. Tinha acionado as contas de reserva e os cofres onde guardava dinheiro vivo também começaram a ser esvaziados. As pequenas contas não deviam representar um problema. Pensou na Maria Eduarda e na família dela. A morte deles tinha sido um erro. Um erro cujo preço ele estava a pagar. Recostou-se e disse em voz alta como se falasse com alguém:
«A vingança serve-se fria!»
No palacete da Lapa a azáfama era grande. As pessoas chave tinham sido mudadas e o chefe de segurança sentia que o despedimento pendia sobre a sua cabeça, qual espada de Démocles. O melhor era estar um passo à frente para não ser apanhado de surpresa.
O chefe da segurança estava sentado em frente ao colega e disse-lhe sem rodeios aquilo que pensava.
«É melhor começares a procurar um novo emprego»
Ao princípio o colega estava um pouco cético, mas acabou por concordar com o chefe. Iriam fazer as coisas com calma e sem grande alarde, mas não esperariam pela carta de despedimento. Nos últimos dias tinham visto muitas lágrimas e arrancar de cabelos. Era melhor não passarem também por essa situação.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O SEMÁFORO

O SEMÁFORO Na cidade do Porto, numa rua íngreme, como tantas outras, daquelas que parecem não ter fim, há-de encontrar-se um cruzamento de esquinas vincadas por serigrafias azuis, abertas sobre azulejos quadrados, encimadas por beirais negros de ardósias, que alinham, em escama, até ao cume e enfeitadas de peitoris de pedra, sobre os quais cai a guilhotina. Estreita e banal, sem razões para alguém perambular, esta rua, inaudita, é possuidora de um dispositivo extraordinário, mas conhecido de muito poucos: Um semáforo a pedal, que sobreviveu, ao contrário dos “primos”, tão em voga na década de sessenta, na América Latina. No início do século XX, o jovem engenheiro, François Mercier, de génio inventivo, mudou-se para o Porto. Apesar do fracasso em França e na capital, convenceu um autarca de que dispunha de um dispositivo elétrico e económico, bem capaz de regular o trânsito dos solípedes de carga, carroças, carros de bois a caleches, dos ilustres senhores. O autarca

CARTAS DE AMOR - AMOR IMPOSSÍVEL

CARTAS DE AMOR - AMOR IMPOSSÍVEL As palavras não me ocorrem perante a imensidão do sentimento que me invade o peito. Digo-te aquilo que adivinhas pois os meus olhos e os meus gestos não o conseguem esconder. Amo-te! Amo-te desde o primeiro dia em que entrei na empresa e tu me abriste a porta. Os nossos olhares cruzaram-se e, por instantes, olhamo-nos sem pestanejar. Senti que tinha encontrado a minha alma gémea. O meu coração acelerou quando me estendeste a mão e te apresentas-te. Apenas uma semana depois soube que eras casada. Chorei a noite toda. Não conseguia aceitar que não fosses livre para poder aceitar o meu amor e retribuí-lo como eu tanto desejava. Desde esse dia vivo em conflito: amo-te e por isso quero estar a teu lado, mas não suporto estar a teu lado, sem poder manifestar-te o meu amor. Quero fugir dessa empresa, não quero mais ver-te se não te posso ter, mas não consigo suportar a ideia de não te ver todos os dias. Tu és o sol que ilumina o meu dia, mas és

O BILHETE

O BILHETE Com os cadernos debaixo do braço ele subiu a escadaria do Liceu Camilo Castelo Branco, em Vila Real. Vivia numa aldeia próxima e tinha vindo a pé. Tinha vários irmãos e como estavam todos a estudar, tinham de poupar em tudo o que era humanamente possível. Já estava com saudades das aulas! Era irónico que tal fosse possível pois os jovens preferem as férias. Não era o seu caso. Tinha vindo de Angola e, por falta de documentos, tinha ficado um ano sem estudar, trabalhando na quinta, ao lado do pai, enquanto os irmãos iam para as aulas. Estudar era, portanto, a parte fácil. Procurou a sala onde a sua turma tinha aulas: Ala este, piso zero, sala seis. Filipe era um aluno acima da média, mas a sua atitude era de grande humildade: esperava sempre encontrar alguém melhor que ele. Dado que tinha ficado um ano afastado da escola estava com alguma expectativa em relação à sua adaptação, mas confiante nas suas capacidades. Não tardou em destacar-se e no fim do primeiro tri