A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 1 – O legado de Anabela Fonseca
Perestrelo chegou a Lisboa na véspera, sem dizer nada a ninguém.
Queria estar à vontade e sobretudo sozinho. A companhia de Mónica Fonseca era
agradável, mas ele ainda não estava com disposição para socializar. Abriu a
correspondência e verificou as mensagens. Havia muita gente que queria falar
com ele. Depois de por tudo em ordem, dedicou alguns instantes ao encontro do
dia seguinte. Estava pronto para lidar com a morte da Anabela. Era isso que
significava para ele, ir à leitura do testamento. Eventualmente, ela tinha-lhe
deixado os documentos da investigação: Não estava à espera de mais nada.
A leitura foi uma surpresa. Ele era o herdeiro universal de
Anabela e, para além de um apartamento e algum dinheiro, ela deixava-lhe o
dinheiro que o Chef Walker lhe tinha adiantado para terminar a investigação.
Era à volta de cem mil de euros. Existia, no entanto, uma condição. Ele
tinha de continuar a investigação até descobrir quem tinha morto a jornalista
ou gastar o valor herdado. O testamento era curto e o advogado, terminada a
leitura, ficou à espera dos comentários de Perestrelo. Ele estava sem qualquer
reação. Não conseguia entender como, sendo Anabela uma mulher jovem e saudável,
tinha feito um testamento com aquele teor. Parecia que tinha antecipado que ia
morrer. Só assim se entendia que assumisse que a investigação da morte da
jornalista não estivesse concluída.
Passou a tarde toda a embalar os papéis de Anabela e levou tudo
para o seu escritório, juntamente com o computador e o Ipad. Mais tarde
passaria pelo apartamento. Iria doar as coisas dela e vender a casa. Não porque
precisasse de dinheiro, mas porque não queria ficar ligado a um bem que lhe
pertencera. Era uma forma de encerrar, na sua cabeça e no seu coração o
capítulo da Anabela Fonseca. A seguir ao jantar ao invés de ir para casa, foi
para o escritório. Passou em revista a documentação pessoal dela. O irmão
estava apenas presente até ao fim da adolescência, depois não havia qualquer
registo dele. Agora que pensava no assunto era estranho que ele não tivesse estado
na leitura do testamento. Isso significava que ele sabia que não constaria do mesmo.
«Será que ele sabia que era eu o herdeiro?» Interrogou-se. Entre as coisas do
cofre estava um envelope com muitas fotografias, tiradas ao longo de vários
anos. Perestrelo arregalou os olhos. Nunca tinha imaginado que ela gostasse
daquilo. Era uma marota!
O capítulo profissional era muito mais recheado. Separou todos
os papéis referentes aos outros casos em que ela tinha estado envolvida e
fechou tudo em várias caixas. Apenas precisava dos papéis referentes ao caso da
jornalista. Deu de caras com o Barão. folheou o livro com calma, lendo algumas passagens depois
fixou-se na dedicatória da Karen.
“Achei a obra interessantíssima. Fez-me
pensar que quando não existe futuro a Chave da vida está no passado. O passado
é história. História escrita em Livros que ninguém lê!” Karen.
Meu Deus! Isto esteve sempre à nossa frente e nós não
percebemos. A Karen está a dizer-nos para investigar o passado dela. A
descoberta não era extraordinária, mas deixou-o excitado. Era sobretudo uma espécie de dica, sobre onde fazer incidir a investigação. Tinha que arrumar os outros
assuntos, os seus e os de Anabela e depois ia dedicar-se a investigar os passos
da jornalista. Algures no passado, provavelmente recente, existia uma
pista. Já era muito tarde quando foi dormir.
Levantou-se cedo e foi fazer o jogging. Aproveitou a ciclovia
que àquela hora da manhã estava livre. Mal saiu de casa teve a perceção que uma
sombra se evaporou na esquina do prédio, do outro lado do quarteirão. Ignorou.
Não tardou muito a perceber que tinha companhia. Não era muito normal, mas ele não tinha a
exclusividade da atividade matinal. Apesar disso, havia algo de errado com o jovem que seguia
à sua frente. Abanou a cabeça e sorriu. Estava a ver fantasmas. Abandonou a
ciclovia e virou à direita contornando o quarteirão. O carro fez uma curva
apertada, entrando em sentido proibido e foi posicionar-se numa esquina onde o
podia ver. Definitivamente aquilo era um pouco estranho. Parou, olhou para o
relógio, depois em redor. O jovem quase chocou com ele. Tinha dobrado a esquina,
desenfreado. Parecia mesmo que procurava alcançar alguém.
«Desculpe.» Disse atrapalhado.
Era o jovem que não sabia correr. A atrapalhação dele não
resultava do encontrão mas do facto de ter denunciado a sua intenção. Partiu
sem dizer nada e sem olhar para trás. Perestrelo olhou para ele com mais
atenção e viu o auricular na orelha direita. Era equipamento de profissional. O
sexto sentido não o tinha enganado: estava a ser seguido. Retomou a corrida,
regressando à ciclovia. O Citroen que já tinha visto antes estava estacionado
no ponto da ciclovia onde normalmente ele iniciava o regresso. Fingiu que não o
viu e deu a volta. Quando chegou perto de casa teve a confirmação definitiva de
que estava a ser seguido. Não era o local adequado, nem estava tempo para aqueles
homens estarem encostados à esquina a ler o jornal. Era tudo demasiado óbvio.
«Bom dia Mónica. Estou a ligar para confirmar a minha presença
na assinatura do acordo e quero saber se me mandaste seguir.»
«Que parvoíce é essa. Eu não preciso de te mandar seguir!»
Ele narrou os eventos da manhã e Mónica ficou preocupada.
«Pelos vistos tenho mesmo de te mandar seguir, não para saber
onde andas, mas para te proteger!»
«Não te preocupes comigo. Até mais logo.»
Enquanto se arranjava começou a magicar uma ideia para despistar
os seguidores. Mais tarde teria de descobrir quem eles eram. Saiu pela porta da
frente, mas ninguém ligou nenhuma ao velhote que coxeava ligeiramente. O
disfarce tinha funcionado na perfeição.
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