A JORNALISTA | PARTE IV | CAPÍTULO 10 – Alegações finais
A mulher do segurança olhava pela janela, na esperança de ver
aparecer o marido a qualquer momento. O carro patrulha que fazia vigilância foi
rendido e um dos polícias veio falar com ela para ver se estava tudo bem. Sobre
o paradeiro do marido não havia notícias, mas, a verdade, é que apenas tinha
sido feito um alerta e não existia um processo de busca ativa.
Mónica recebeu a notificação sobre o alerta do desaparecimento do
segurança, pouco depois de ter entrado na sala de audiências. Estavam a ser
concluídos os preparativos para a alegações finais e ela tinha todo o interesse
em ouvi-las. Ficou dividida: ia tentar perceber o que se passava com o
segurança ou ficava. Acabou por ficar.
O procurador público foi relativamente breve, mas muito
incisivo. Pediu a condenação do réu com base nos factos provados: A arma do
crime tinha apenas as suas impressões digitais, o réu foi apanhado em flagrante
com a arma do crime na mão, por uma testemunha e estava sob influência de drogas,
podendo ter praticado o crime sem ter noção disso. Concluiu a alocução dizendo:
«Independentemente das circunstâncias fica claramente provado
que o réu cometeu o crime.»
A advogada de defesa apresentou os argumentos finais com grande
detalhe, mas de forma metódica e organizada. Era como se estivesse a dar uma
aula aos seus alunos universitários. De acordo com os factos identificados pela
defesa, todas as provas apresentadas pela acusação eram circunstanciais e, ao
invés de provarem a culpabilidade do réu, provavam a sua inocência. Anabela
teve o especial cuidado de desmontar os argumentos da acusação.
«É inegável que o réu é proprietário da arma do crime e que esta
tem as suas impressões digitais, pois é o seu instrumento de trabalho. O facto
de serem as únicas apenas prova que o verdadeiro criminoso teve o cuidado de
proteger as mãos, e nada mais.»
A advogada reforçou a afirmação com um gesto, estendendo os
braços, com as palmas das mãos viradas para cima. Depois de uma pausa dramática
prosseguiu:
«O flagrante identificado pela acusação não existe. A testemunha
foi taxativa ao dizer que viu o réu levantar uma faca cheia de sangue, facto
provado pelas gotas que foram identificadas, pelos peritos, na roupa. Fica,
portanto, provado que o réu não espetou as facas, mas as retirou do corpo da
vítima, já cadáver.»
De forma ardilosa a advogada agradeceu ao promotor a valorização
de um testemunho que contrariava a tese da acusação, ao mesmo tempo que abria
os braços e rodava sobre si própria, em modo Cristo Rei. Depois de um curto silêncio, continuou:
«O réu estava no local do crime, porque tinha sido atraído ao
mesmo por uma mensagem de caráter pessoal, mas para além disso, tinha sido
forçado a permanecer no mesmo, com recurso a drogas.»
Apresentou em detalhe o testemunho dos peritos que suportavam a
sua afirmação e depois continuou:
«Essas mesmas drogas que o procurador alega terem toldado o seu
conhecimento, não o levaram a cometer um crime na ignorância, mas impediram-no
de o cometer.»
De cabeça erguida e com os dedos cruzados sobre o peito, Anabela
olha o júri nos olhos, em silêncio. Depois de um momento de silêncio estudado,
ela deu-lhes o climax.
«Assim, para além dos factos, apresentado pela acusação, serem
circunstanciais, no que concerne à prova da prática do crime pelo réu, eles
provam, sem margem para duvida, que o réu não pode ter cometido o mesmo,
estando, portanto inocente.»
Foi uma atuação magistral, mas o facto de ser suportada em
factos, conferia-lhe uma força que só podia conduzir a um resultado: O réu
seria absolvido. Mas isso apenas seria conhecido no dia em que a sentença fosse
proferida, tendo a sessão sido encerrada.
O chefe da segurança acordou um pouco depois e viu-se amarrado
de mãos e pés. Levantou a cabeça esperando ver a mulher ou os seus capangas. À
sua frente estava apenas o jovem que o tinha seguido desde Lisboa. Apesar de
todos os argumentos e de lhe ter explicado quem era, o jovem manteve-se
irredutível. Já estavam naquilo há quase duas horas e o segurança começou a
perder a paciência. Isso não se traduziu em nada de positivo: recebeu nova
descarga da taser. Quando recuperou, percebeu que não ia conseguir convencer o
jovem da realidade. Ele insistia na charada do jogo, ignorando qualquer
argumentação razoável. O segurança percebeu que a única forma de sair dali era
entrar no jogo. Decidiu alinhar. Deixou que o jovem o orientasse sobre o que
tinha que fazer e, usando o rádio dele, comunicou o local onde estava e a
identificação do jogador que o tinha apanhado. O que o jovem não sabia era que
o segurança estava a falar com um colega da empresa.
«Eu sou novo nestas coisas. Podes dizer-me como isto funciona?»
«Tu não leste o manual que está na plataforma.»
«Eu acho que me inscrevi sem perceber quando estava a tentar
perceber os sites onde o meu filho anda.»
O jovem desatou à gargalhada.
«Agora percebo o teu comportamento. Tu não fazias ideia que
estavas a jogar. Bem, esta cena é mesmo curtida!» Exclamou o jovem.
O jovem estava tão absorvido a postar imagens do segurança e a
fazer comentários sobre o caso estranho com que tinha deparado que não se
apercebeu da chegada da polícia.
Mónica, mal saiu da audiência, foi até ao palacete da Lapa.
Estava na empresa quando o chefe da segurança entrou em contacto, tendo partido
no encalço deste, quando percebeu a sua localização. No entanto, não estava à
espera daquela situação caricata. Primeiro teve de acalmar o chefe de segurança,
em relação ao filho e deixou-o ligar para a mulher, para a informar de que
estava bem. Depois lidou com o raptor. O jovem protestava a sua inocência,
embora sob ele pendesse uma acusação de agressão e rapto, pelo tratamento que
tinha dado ao segurança. Tudo o que ele tinha feito estava de acordo com as
regras do jogo. O problema é que ele tinha abordado uma pessoa que não estava a
jogar. Quando percebeu isso decidiu colaborar.
«A forma
como eu recebi a informação de quem era o meu próximo alvo foi diferente.»
«Diferente
como?» Perguntou Mónica.
«Em vez de
receber o alerta através da plataforma, recebi um email.» Disse o jovem
mostrando as duas opções no telemóvel.
O chefe da segurança, depois de prestar declarações, partiu. O
Sr. Lins reclamava a sua presença, com urgência. A polícia tomou conta da
ocorrência e o jovem, depois de identificado, partiu em liberdade, mas Mónica
ficou com o telemóvel dele. A judiciária iria tentar descobrir a origem do
email, na tentativa de encontrar o mentor do rapto. O mais provável era ser a
mulher mistério, de que o segurança lhe tinha falado. No entanto, tal carecia
de ser provado.
Mónica regressou a Lisboa, mas a sua cabeça fervilhava com mil
pensamentos. Aquilo que o segurança lhe tinha contado sobre a mulher mistério não
a colocava em risco. Assumindo que ela estava por detrás das desventuras do
chefe da segurança, tinha que existir algo mais, para a levar a atuar daquela
forma. Só existiam duas alternativas: ou o chefe da segurança sabia mais do que
dizia, ou a mulher mistério pensava que ele sabia algo mais sobre ela. Era mais
um mistério a adensar aquele caso.
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