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A JORNALISTA | PARTE IV | CAPÍTULO 9



A JORNALISTA | PARTE IV | CAPÍTULO 9 – O segurança desaparece

O chefe de segurança olhou para o relógio. Eram horas de fazer uma ronda. Durante o dia a ronda não era obrigatória, mas ele estava tão cansado, que se ficasse ali sentado ia adormecer. Avisou a rececionista e pegou no rádio portátil: dessa forma estaria sempre contactável. Desde que a inspetora tinha partido que estava com aquela sensação estranha. Parecia que tinha algo a oprimir-lhe o peito. Era como se uma desgraça estivesse eminente. «Não posso deixar que o facto de ter contado tudo à polícia me afete!» Pensou. Na verdade não tinha dito tudo. Apenas tinha revelado o suficiente para que a família fosse colocada sob proteção, sem revelar quem era a mulher, portanto, ela continuava protegida. Entrou no palacete pela cave e sentiu um calafrio. Era como se alguém o estivesse a espiar. Riu-se de si próprio. Onde estava o militar autoconfiante, que enfrentara tantas missões perigosas? Para desanuviar propôs-se tentar, mais uma vez, encontrar a entrada do túnel. Com as pontas dos dedos tateou todas as saliências e concavidades da parede. Nada! A realidade não era como os filmes em que o herói descobre sempre a passagem secreta. Afastou-se da parede e procurou visualizar onde se tinha aberto a porta quando a mulher apareceu. Na altura, estava escuro por isso a parede, agora bem iluminada, nem parecia a mesma. Virou as costas e subiu as escadas. Nesse preciso momento escutou um resfolegar que o fez virar bruscamente, de arma empunhada. Iria jurar que a nuca tinha sido fuzilada por um olhar humano. Impossível! Não estava mais ninguém na sala. Prosseguiu com a ronda. Às dez e quinze já estava de volta ao seu posto de trabalho.
Pegou nos papéis que lhe tinham deixado sobre a secretária e tratou de os organizar. Em seguida foi tratar das escalas de serviço. Felizmente, hoje em dia era tudo feito eletronicamente. Olhou novamente para o relógio. Pegou no telemóvel e fez a ligação.
«Olá princesa.» Disse, num tom brincalhão.
«Olá amor. O que te deu hoje para me ligares a meio da manhã? Perguntou a mulher.
«Estou com saudades.»
Ela sabia que ele tinha tido uma noite difícil e até desconfiava que tinha sido mais difícil do que ele confessara. Agora tinha a certeza.
«Eu também…» Disse, num tom carinhoso.
Depois de inquirir se estava tudo bem e com a mulher a insistir que a preocupação dele era descabida, desligou. Não podia ligar ao filho porque ele estava nas aulas e durante esse período desligava o telefone. Estava seguramente tudo bem. Estava tão absorvido com os seus pensamentos que o toque do telefone o sobressaltou. Não conhecia o número.
«Estou?...»
«Bom dia. Fala a diretora de turma do Rafael. Preciso que passe pela escola imediatamente. O seu filho envolveu-se numa briga e a coisa está feia.»
«Ele está bem?» Perguntou, com ansiedade.
«Sim. Ele está bem. Os outros dois é que não estão muito bem.»
O filho não tinha o hábito de se envolver em brigas, mas o pai já tinha notado que, depois do rapto, ele tinha, por vezes, reações violentas. No entanto, nunca tinha pensado que ele podesse agredir os colegas. Provavelmente tinha sido provocado. Informou o colega do motivo por que tinha que sair e abandonou o edifício. Ao subir a Infante Santo, em direção a Campo de Ourique, pareceu-lhe que estava a ser seguido. Foi mais uma intuição do que um perceção real. A fluência de carros que existia e que seguia em todos os sentidos impedia-o de verificar a veracidade da intuição.
Quando entrou na autoestrada acelerou, ultrapassando em muito o limite de velocidade. Depois reduziu para menos de oitenta quilómetros hora e encostou à faixa da direita. Lá estava o Opel corsa branco que vinha atrás dele, desde que entrou na Infante Santo: Estava a ser seguido. Decidiu sair para o estádio. Iria confrontar os seus seguidores. Felizmente, trazia consigo a arma de serviço. Quando chegou à entrada principal do estádio parou. Àquela hora não estava ali ninguém. O Opel Corsa chegou em seguida e parou ao seu lado.
«Porque é que o senhor me vem a seguir desde Lisboa?» Perguntou de chofre.
O jovem que tinha saído do Opel corsa arregalou os olhos e espanto.
«Não estou a perceber. A ideia do jogo é essa. Eu recebo um alvo para seguir e a missão deste é tentar despistar-me. Ganha quem atingir o objetivo. Neste caso eu acabei de ganhar mil pontos.»
Foi a vez do segurança olhar para o jovem com o espanto estampado no rosto.
«Jogo? Eu não estou a participar em nenhum jogo!»
«Boa tentativa. Apanhei-te, por isso tens de informar o quartel-general de que o Spider 23 te apanhou.»
Aquilo ia de mal a pior. Ele não tinha tempo a perder. Tinha de ir ter com o filho.
«Olha, eu não estou para esse tipo de brincadeiras. Tenho que ir ter com o meu filho à escola e já estou atrasado.»
Quando virou costas a potência dos volts de uma Taser foi a última coisa que sentiu.
Jair de Lins tinha estado na polícia a prestar declarações e quando chegou quis falar com o chefe de segurança. Precisava de esclarecer aquela situação. Ele tinha a certeza que tinha assinado as três vias do documento de autorização de acesso dos bombeiros e da polícia ao edifício, mas as autoridades apenas tinham uma via. A verdade é que o documento era emitido em apenas uma via, o que tornava tudo ainda mais estranho. «Que raio de documentos é que eu assinei?» Pensou. Para agravar a situação o chefe da polícia alegava que apenas lhe tinha sido apresentada uma via.
«Ligue para o chefe da segurança.» Pediu Lins.
«Sr. Lins a chamada vai de imediato para as mensagens. O telemóvel deve estar desligado ou num local sem rede.»
«Que maçada! Quando o conseguirem contactar passem a chamada mesmo que esteja em reunião.»
Entretanto, a mulher do chefe da segurança telefonou e o colega informou-a sobre o paradeiro do marido. Ela achou estranho a diretora de turma não ter ligado para ela e contactou-a. Não demorou muito a perceber-se o logro. Rafael não se tinha metido em nenhuma confusão e a diretora de turma não tinha ligado para ninguém. O chefe da segurança tinha desaparecido. Entretanto, a polícia tinha sido avisada, mas não podia fazer muito. O chefe da segurança ausentou-se de livre vontade e podia muito bem ter dado uma desculpa para justificar a ausência. Apenas o facto de ninguém o conseguir contactar era um pouco estranho, mas não o suficiente para a polícia atuar.

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