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A JORNALISTA | PARTE IV | CAPÍTULO 7


A JORNALISTA | PARTE IV | CAPÍTULO 7 – Fogo

Cozido com a parede o vulto movia-se com cautela, mas com agilidade. Tinha muitos locais para inspecionar, mas em todos encontrou a mesma realidade: pessoas que se moviam nas sombras. Estava cada vez mais gente a vigiar, quer o detetive e advogada, quer o palacete da Lapa. Por regra, deixava o carro estacionado longe do local que pretendia visitar. Todos os cuidados eram poucos. Entrou no carro e partiu em direção ao palacete. Nessa noite iria aquecer um pouco as coisas. Precisava que o edifício fosse o centro das atenções. Era altura de pegar fogo à casa!
O segurança tinha iniciado a sua ronda pelo palacete. Quando estava a meio da sala começou a sentir o cheiro a fumo. Olhou à sua volta à procura do fogo e nada. «Mas que raio! Donde virá o cheiro?» Pensou. De pé, no meio da sala, olhava em volta com uma expressão confusa. Quando o fumo começou a sair pelas condutas de ventilação ele acionou o alarme e, em seguida, ligou para os bombeiros e para o chefe.
«Estou. O que se passa?» Perguntou o chefe ainda estremunhado.
«O palacete está a arder!»
O chefe de segurança não disse mais nada. A notícia teve o condão de o despertar. Saltou da cama e vestiu-se o mais rápido que pôde. Em vinte minutos estava no escritório. Àquela hora não havia trânsito e os semáforos foram-lhe favoráveis. Teve que arranjar um lugar na rua antes da barreira da polícia, pois o acesso à garagem estava vedado ao trânsito. Apesar do fumo intenso que saía pelas janelas abertas não havia sinais de labareda.
«O Chefe dos bombeiros e a polícia querem falar com um responsável.» Disse o subordinado.
O chefe de segurança alargou o passo e foi ter com o comandante dos bombeiros. «Vou ter de ligar aos Sr. Lins.» Pensou.
«Boa noite. Eu sou o responsável pela segurança do edifício. Diga-me o que precisa senhor comandante.»
O responsável da equipa policial interveio.
«Precisamos que nos autorize a aceder ao edifício.»
«Eu tenho todas as chaves mas não tenho autoridade para conceder o que me pede. Os bombeiros não podem entrar livremente em caso de fogo?
«Não vemos chama nenhuma. Precisamos de uma autorização para entrar.»
O chefe de segurança autorizou os homens entrar, mas à precaução ligou ao Sr. Lins.
«Sim!» Disse uma voz ensonada do outro lado do telefone.
«Sr. Lins! Há fogo no palacete!»
Nem boa noite, nem qualquer outra introdução. Foi assim de forma seca que o chefe da segurança lhe deu a notícia. Jair de Lins nem queria acreditar naquilo que estava a ouvir.
«O que? Podes repetir?»
O segurança repetiu a informação pondo o administrador ao par da situação.
«Eu já autorizei os bombeiros a e polícia a entrar no edifício, mas é melhor o Sr. Lins passar por cá para revalidar a mesma.
Jair de Lins poisou o telefone e, instintivamente, olhou para o lado em busca da mulher. A cama estava vazia. Ela continuava em casa da amiga. Era inevitável! Tinha que ir até ao escritório. Vestiu-se à pressa e penteou-se com os dedos. Estava com aspeto lastimável, mas essa era a sua menor preocupação. Poucos minutos depois estava à porta do escritório.
«Senhor Lins, precisamos que assine estes papéis confirmando autorização para acedermos ao edifício?»
«Claro! O Chefe de segurança autorizou e eu confirmo.»
Rabiscou os papéis sem os ler, olhando em volta. O grupo de curiosos que se tinha juntado, àquela hora da madrugada era bastante reduzido. «Melhor assim. Quanto menos o assunto for divulgado melhor.» Pensou.
«Já sabemos quais são os danos? Perguntou Lins.
«Aparentemente apenas existem os danos provocados pelo fumo.» Disse o comandante dos bombeiros.
«O que é que isso quer dizer? Não há fumo sem fogo!»
O incidente foi premeditado e teve mão criminosa. No entanto, quem quis causar aquele aparato todo limitou-se a colocar um balde metálico, cheio de um conjunto de substâncias que não ardem mas provocam imenso fumo, com cheiro a queimado. Isso foi colocado junto aos sistemas de ventilação, para que este espalhasse o fumo e o cheiro pelas condutas.
«Foi uma ação inteligente e eficaz. Mas não se destinava a pegar fogo ao edifício. O interesse era outro. Tem alguma ideia sobre aquilo que possa ter motivado esta ação?» Perguntou o chefe da polícia.
«Não.» Respondeu Lins.
Ele até tinha algumas ideias sobre os possíveis suspeitos, mas nenhum deles podia ser nomeado.
«Também pode ter sido uma ação para o obrigar a deslocar-se aqui a esta hora ou a permitir entrada no edifício, embora isso seja bem menos provável.» Disse o chefe da polícia.
«Não estou a ver quem tivesse algum interesse em fazer-me vir aqui a esta hora.» Disse Lins.
Efetivamente podia ter sido uma dessas razões ou todas elas, mas a verdade é que, naquele momento ele não tinha forma de saber ao certo. Jair de Lins apostava todos os seus trunfos nos sócios. Alguém queria fragilizar a sua posição sem colocar em risco o imóvel. Para isso contribuía seguramente o facto de ter interesse no mesmo. Uma hora depois o problema estava resolvido. O palacete tinha de ser limpo e, nalguns casos pintado, mas não tinha sofrido danos maiores. Ele e o chefe da segurança regressaram a suas casas. Lins tomou a decisão de aumentar o número de pessoas que investigava o caso da jornalista. Colocaria outras pessoas a vigiar os sócios e a tentar perceber qual destes estava por detrás desta ação para o desestabilizar. Eles que se cuidassem, pois era preciso muito mais que fumo para o assustar! Ele estava habituado a caminhar no meio das chamas!
A caminho de casa, o chefe de segurança matutava naquilo que tinha visto no palacete. Havia ali qualquer coisa que lhe estava a escapar. Qual era o objetivo da pessoa que tinha montado aquele circo. Ele já tinha percebido que o Sr. Lins estava envolvido em coisas estranhas e que tinha várias amantes. Uma delas já lhe tinha arranjado problemas com a mulher. A cena do fumo bem podia ter sido obra de uma delas, tanto mais que elas tinham acesso ao palacete. Os esquemas e aventuras do administrador ainda iam dar cabo do negócio! Afastou os maus pensamentos e focou-se na mulher e no filho, que estavam a dormir tranquilamente. Era com eles que tinha de se preocupar. Ele arranjaria emprego em qualquer lado. Concentrou-se na estrada e conduziu até casa.
Quando deu a curva na esquina antes de chegar ao prédio pareceu-lhe ver um vulto sair furtivamente do prédio. Vestia todo de negro, tendo a cabeça tapada. «Queres ver que andam assaltantes no prédio?» Disse em voz alta. Parou o carro e foi a correr até à esquina. Na rua não havia vivalma. Devia ter imaginado coisas, isso já era resultado do cansaço. Subiu as escadas tranquilamente e marcou o sexto andar no painel do elevador. A casa estava mergulhada em silêncio, pois, quer a mulher, quer o filho, dormiam profundamente. Por descargo de consciência decidiu ir ver se o filho estava aconchegado. Entrou no quarto com a luminosidade que vinha da luz do corredor e ajeitou-lhe o edredão. Nessa altura o papel saltou, esvoaçando para o chão. Segurou a folha com as mãos a tremer e quando leu a mensagem o rosto empalideceu.

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