Patricia,
Receber
a tua carta foi uma sensação muito estranha. A um misto de ansiedade e alegria,
seguiu-se a indiferença. Agarrei na carta e rasguei-a sem a abrir. Não a joguei
fora apenas pela inexistência de um caixote do lixo à mão. Coloquei-a dentro da
pasta para me facilitar a abertura da porta. Abri e fechei a pasta várias
vezes, indeciso. A curiosidade começava a espicaçar-me. Deixei ficar a carta
guardada. Era fácil imaginar as tuas palavras: Estavas feliz e até podias
querer desejar-me o mesmo, mas eu não estava disponível para as ler. A tua
felicidade tornava tudo definitivo e eu ainda não estava preparado para o
assumir. Tinha terminado o ano mais doloroso da minha vida, mas, apesar disso,
eu ainda não estava preparado para encerrar o teu capítulo. O teu nome ainda
fazia vibrar o meu peito e as outras mulheres, quando comparadas contigo ainda
eram apenas as outras.
Jantei
sozinho como todos os dias em que ficava em casa. Concentrei-me noutras coisas,
pois precisava esquecer a tua carta. A noite foi passada em sobressalto e a tua
presença povoou os meus sonhos. Tu entravas e saías da minha vida, reavivando a
ferida aberta há um ano atrás. Levantei-me cansado e um pouco mais tarde do que
era costume, mesmo para um sábado. Tinha que me afastar daquela pasta, pois o
conhecimento de que estava lá dentro uma carta tua, pesava sobre mim de forma
tortuosa. Fui andar para o estádio universitário. Foi tudo inútil. A primeira
coisa que fiz quando cheguei a casa foi abrir a tua carta.
Não
era possível que aquilo fosse verdade. O meu coração rejubilou mas calou-se de
imediato. A recordação do sofrimento ainda estava muito presente e voltar a
acreditar significava assumir o risco de voltar a sofrer. «Esquece essa
mulher!» dizia-me a razão. «Dá-lhe outra oportunidade, dizia o coração». A
carta, restaurada com fita-cola, estava à minha frente, aberta. Eu estava completamente
perdido. Foi uma semana interminável. Os dias custavam a passar e as noites
eram de vigília. Estava a começar a ficar exausto e não podia continuar assim.
Tinha de arrumar o assunto definitivamente. Decidi responder-te.
Existem
milhares de coisas que gostava de te dizer e de explicações que gostava de
ouvir, mas serei breve. Vou cingir-me à verdade dos factos.
Partiste!
A
tua partida dilacerou o meu coração e apenas um ano depois começo a sentir que
ele está inteiro e vivo. Mas, a verdade, é que não te esqueci. Não sei se te
amo mas sei que continuo a sentir saudades de ti, do teu corpo, dos teus
beijos, de falar contigo ou simplesmente de te ter a meu lado. Mas esta
saudade, esta vontade de estar contigo, assusta-me. Tenho medo de voltar a ser magoado.
Partiste!
Partiste
e agora pedes para reconstruir a minha vida. Um ano depois a minha vida já foi
reconstruída. Os meus hábitos foram alterados, alguns dos amigos foram
substituídos. Eu construí uma nova vida sem ti. Por isso, não, não podes reconstruir
a minha vida. A tua entrada nela representa uma alteração, uma integração e não
uma reconstrução. Esse é um dos principais obstáculos ao teu regresso. A
verdadeira questão é se eu quero construir uma nova vida contigo.
Partiste!
Partiste
e agora queres voltar. À medida que vou escrevendo esta carta tomo consciência
que ainda te amo. Apercebo-me que existe espaço para nós dois, mas não para
viver aquilo que já vivemos. Nada será como dantes. O capital de confiança que
eu tinha em ti perdeu-se e o teu regresso tem de significar que me amas o suficiente para
aceitar que tens de fazer renascer um novo capital de confiança em mim.
Partiste!
Partiste
e deixaste para trás um homem que já não existe. Esse homem não existe
exatamente como consequência da tua partida. Dizes que me amas, que sempre me
amaste, mas na verdade tu amas o homem que deixaste para trás, não o homem que
agora eu sou. Voltar significa iniciar uma nova relação, construí-la do zero,
assumindo que o passado não existe. Esse é o verdadeiro desafio!
Partiste!
Partiste,
mas eu estou disposto a aceitar-te de volta. Não quero o teu regresso para
retomar algo interrompido, para reatar uma relação antiga. Quero que voltes
para iniciarmos uma relação nova. Encontrarás muitas coisas que não mudaram em
mim, mas a relação que tivemos no passado morreu e não pode ser reatada nem
invocada. Estas são as minhas condições. Sim, tenho condições para o teu
regresso, mas isso não diminui o meu sentimento por ti, nem a ansiedade com que
espero o teu regresso. Amo-te e quero construir contigo uma nova relação, um
novo amor. Não quero, simplesmente, reviver um amor antigo.
Partiste!
Partiste
e agora eu digo volta. Vamos viver um novo amor. Vamos voltar a ser felizes.
Vamos ser aquilo que não fomos, vamos viver aquilo que não vivemos, vamos amar-nos
como se o passado não existisse. Vamos simplesmente amar-nos.
Eternamente
teu.
Luís
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