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AMOR VIRTUAL


AMOR VIRTUAL

A notícia, apesar de previsível, deixou-a completamente transtornada. Na sua frente tinha um pedido de divórcio. «Só pode ser um mal-entendido!» Pensou.
Tudo tinha começado há dois anos atrás. Apesar de terem casado devido à gravidez dela, quando tinha apenas vinte anos, tinha sido um casamento feliz. A saída precoce do filho deixou um vazio que foi preenchido com desavenças. Durante um ano digladiaram-se mutuamente, até que decidiram “dar um tempo”. Joana tinha consciência de que aquilo era um disparate, mas não conseguia conter-se. Sentia a falta do filho e considerava Roberto o único culpado pelo facto.
«O nosso filho foi estudar para Lisboa. Foi uma decisão exclusivamente dele.»
«No Algarve também existem faculdades. Se tivesses recusado pagar-lhe e estada em Lisboa, ele tinha ficado.» Argumentava ela.
Ele não tinha razão. Quando se tratava da ausência do filho ele nunca tinha razão! Essa era a forma cega como via o assunto. A forma como decidiram fazer uma pausa na relação foi tempestiva, mas, como nenhum quis voltar atrás, a separação aconteceu. Ele saiu de casa no dia seguinte. Pouco depois ela começou a tentar aproximar-se dele. Viver sem o filho era mau, mas sem o filho e sem o marido era muito pior. O que era fantástico era que, estando separados, se davam muito melhor do que estando juntos. Isso gerou em Joana a convicção de que o pior tinha passado e estavam prontos para retomar a relação. Com isso em mente, apostou no regresso de Roberto. O pedido de divórcio caiu como uma bomba. Eles tinham-se tornado bons amigos, mas isso, ao invés de cimentar a relação de casados, matou-a definitivamente.
Joana chorou amargamente. Na verdade, fora ela que se enganara a si própria. Os sinais estavam lá: eles eram apenas amigos. No entanto, na cabeça dela eles eram muito mais do que isso. Foram dias de sofrimento intenso e profundo. Quando não estava no escritório, onde advogava, refugiava-se nas redes sociais, vivendo as histórias dos outros, alimentando-se da felicidade alheia, ainda que tudo isso fosse ilusório. Foi assim que encontrou o Rogério. «Não posso acreditar. Será o mesmo Rogério que conheci há vinte e dois anos atrás?» Pensou. Depois de algumas hesitações entrou no perfil dele e perguntou. Surpresa!
Rogério também tinha acabado de sair de um divórcio e estava naquilo que ele chamava de uma “quase relação”. Ela entendia muito bem o que ele tinha passado, sobretudo porque tinha sido a mulher dele a tomar a iniciativa. Carpiram a dor, mas rapidamente passaram a falar de coisas diferentes. Era pena que ela estivesse em Faro e ele em Sidney. A distância criava, entre eles, um vácuo que parecia esvaziar a relação.
«Sofri bastante quando soube que estavas grávida do Roberto.»
«Porquê?»
«Porque nessa altura soube que não serias minha e eu amava-te perdidamente.»
Esta confissão foi um bálsamo para Joana. A declaração de amor, ainda que um amor passado, reconfortou-a. As conversas por mensagem ou os telefonemas passaram a ser constantes. Ele desafiava-a para dormir com ele, almoçar com ele ou mesmo viajar com ele. Ela ameaçava ir, mas ficava sempre pela ameaça. Estavam demasiado longe! Ao fim de algum tempo passaram para outro nível e começaram a trocar fotografias um do outro. Eram posições eróticas, mas fotografias decentes. A primeira fotografia dele em tronco nu deixou-a muito excitada. Aos quarenta e dois anos ele era um homem enxuto. Havia ali muito trabalho de ginásio. Depois de algumas invetivas Rogério recebeu a primeira fotografia em top less. Também ele ficou entusiasmado. Joana fazia inveja a muitas mulheres na casa dos vinte. Ele não se fez rogado em dizer-lhe isso mesmo. Nesse dia trocaram o áudio pelo vídeo.
Na noite seguinte, Joana assistiu ao despertar de Rogério. Quando ele se despiu e entrou no banho ela deu um grito estridente. Ele estava completamente nu!
«Vem tomar banho comigo!» Desafiou.
Eram vinte horas e ela tinha acabado de chegar a casa. Para Rogério eram sete da manhã e acabava de acordar. Tomaram banho juntos e muito mais. A milhares de quilómetros de distância, um do outro, eles fizeram amor. Embora cada um tivesse de se tocar, a si próprio, a verdade é que sentiram um prazer tão intenso, que era como se estivessem um ao lado do outro. Invetivaram-se mutuamente e, olhos nos olhos, atingiram o clímax em simultâneo. Era uma experiência nova para eles, mas repetiram-na muitas vezes, até quase já não poderem passar sem a mesma. Joana estava feliz, mas sentia que a relação lhe sabia a pouco. Tinha saudades dele. Tinha vontade de sentir o seu calor e as suas carícias, de saborear o gosto da sua boca. Tinha vontade de o ter dentro dela, em vez do substituto, que manuseava cada vez com mais perícia. Mas a necessidade dela não era apenas física. Ela tinha necessidade da companhia dele.
«Tenho de te confessar uma coisa.» Disse ela, depois de um dos muitos banhos “juntos”.
«Diz, meu amor!»
Não era a primeira vez que ele a tratava dessa forma carinhosa, mas nesse dia o tom parecia diferente. Sentiu-se encorajada...
«Estou apaixonada por ti. Aquilo que mais queria era ter-te ao meu lado.»
«Eu também gostaria de estar junto de ti, mas estamos tão longe…»
O entusiasmo com que ele falou foi desencorajador. Joana arrependeu-se de imediato da confissão. «Devia ter esperado que fosse ele a declarar-se. Os homens gostam de mulheres difíceis.» Pensou.
Despediram-se, pois ele tinha de apanhar o comboio para ir trabalhar. Essa foi a última vez que conseguiu falar com ele. Usou todos os meios que conhecia para o contactar, mas o seu esforço não foi recompensado. Joana estrava completamente destroçada. Fazia apenas três meses que se tinham reencontrado e todos os encontros tinham sido virtuais, no entanto, era como se tivesse vivido com ele toda a vida. O sofrimento era tão intenso que ela perdeu a vontade de viver. Chorava copiosamente, estando sem forças e sem ânimo para nada. Nem para colocar um fim à vida, opção que já tinha ponderado. Não existia futuro. Sem ele não existia nada. Tudo o que lhe recordava Rogério era também uma memória da sua ausência. Estar naquela casa era um suplício, mas sair dela parecia-lhe impossível. Abandonou-se à dor durante toda a noite, mas o nascer da aurora não se apresentou mais auspicioso.
Ligou para o escritório e disse ao outro Partner que não iria trabalhar o resto da semana. Andava pela casa em pijama, com os cabelos desgrenhados, como uma sonâmbula. Era sábado e tinha passado os últimos dois dias em desespero, arrastando-se entre o sofá e a cama. Passou frente ao espelho e assustou-se com a sua própria imagem. Não podia continuar assim! O instinto de sobrevivência acabou por se impor e decidiu que tinha de se alimentar e cuidar dela. A vida tinha de continuar. Mas isso não diminuía a dor. Doía-lha a cabeça e o coração, a primeira por falta de alimentação e descanso e o segundo pela ausência de Rogério. Embora sem grande apetite tomou um bom pequeno-almoço. Deu um jeito à casa e a ela própria. Tinha de sair de casa. Precisava de buscar, algures, a força e o motivo para continuar. O toque da campainha sobressaltou-a. Não estava à espera de ninguém, nem com vontade de receber visitas. Espreitou pelo óculo e ficou alguns instantes parada de boca aberta. Abriu a porta, lentamente, para ter a certeza de que não tinha visto mal.
«Olá.»
Sem forças para reagir desmaiou. Ele amparou-a antes que ela caísse e levou-a para o sofá. Quando acordou ele estava ao lado dela com um copo de água, onde tinha colocado um pouco de açúcar e umas gotas de limão. Ela segurou o copo que ele lhe estendia e bebeu o seu conteúdo.
«Diz-me que não estou a sonhar…» Disse Joana com ar incrédulo.
Rogério acariciou-lhe o rosto e deu-lhe um beijo nos lábios. O corpo dela reagiu de imediato e curvou-se para se colar a ele, entregando-se toda àquele beijo. Ele segurou o rosto dela com as mãos e afastou-o com ternura.
«Isto é real o suficiente para ti?» Perguntou olhando-a nos olhos com ternura.
Sem dizer nenhuma palavra ela agarrou-o e beijou-o com sofreguidão. Beijaram-se e acariciaram-se libertando-se das roupas, de forma quase selvática. A paixão consumia-lhes o corpo e a alma. A urgência dos corpos em sentir o toque um do outro era arrebatadora. Estavam nus. O toque, nunca antes possível, provocou uma descarga elétrica que os fez estremecer. Entregaram-se com paixão, uma e outra vez. Tocaram-se, ora com delicadeza, ora de forma mais bruta. Trocaram carícias e palmadas, pondo em prática os desafios tantas vezes feitos nos vídeos. Terminaram na cama, onde adormeceram exaustos.
Quando Joana acordou eram vinte horas e Rogério conduziu-a até à mesa, servindo-lhe um jantar requintado. Tinha sido encomendado, mas isso era irrelevante. Nessa altura ficou a saber que ele não a tinha abandonado. Simplesmente tinha decidido ir ter com ela, mas no caminho para o trabalho foi assaltado, tendo ficado sem telemóvel e sem computador. Tinha perdido todos os contactos dela, felizmente sabia onde morava. Joana estava feliz, tão feliz que estremeceu. Um arrepio percorreu-lhe a espinha e um sentimento de medo gelou-lhe o coração. Tinha medo de o perder, mas sobretudo de não resistir à dor de o perder. Ele sorriu, acariciando-lhe o rosto, como se entendesse os receios dela. Foi como se o sol brilhasse de repente, num dia chuvoso de inverno, aquecendo-a. Ela sorriu também. Definitivamente estava feliz. Estava muito feliz!
O telefone tocou. Rogério olhou-o com uma expressão estranha e rejeitou a chamada. Em seguida, levantou-se e beijou-a.
«Vou buscar uma coisa que me esqueci no carro.»
Joana foi invadida por um pensamento negativo ao vê-lo dirigir-se para a saída, mas afastou-o. Recostou-se na cadeira e sorriu novamente.  Acordou com o cão a lamber-lhe a cara. Olhou para ele com os olhos esbugalhados. O cachorro latiu sem perceber  o espanto que o rosto dela refletia. Dirigiu o olhar para o criado mudo. Ao lado do telemóvel estava o pote dos comprimidos para dormir. Eram oito horas de domingo.

Comentários

  1. Tentativa de Critique:
    'História Curta' interessante contada na terceira pessoa, que explora a tecnologia dos tempos correntes. O uso the 'remote sex' na história introduz um pouco the diversidade no 'romance' escrito, mas só perde um pouco (não por falta do escritor) mas pelo facto de sexo à distância ser já tão trivializado e publicitado.
    Quando se entitulou a história de "Amor Virtual" eu esperava isso mesmo; Onde uma das partes existe, mas a outra é virtual. Talvez que o autor, possa considerar um 're-write' e trocar o Rogério por um 'Animé'.
    O rebouncing, dum amor perdido para um encontrado, é um tema um pouco gasto também. Talvez que a história valorizasse se Joana, tivesse ‘traído’ o pai da sua crança, enquanto a sua relação era saudável, com esse ‘Lover’ misterioso mas não existente onde ela experimentava o sexo da sua vida com o tal Virtual ‘homem dos seus sonhos que não existia. O que é proibido é mais excitante.
    A cena do “cão lambe a cara?” Também já muito vista nos films. Beneficiaria se o cão lambesse o ‘dedão’ do pé?
    Tempo do verbo: Reveja a concordancia dos tempos dos verbos.
    “Tudo tinha começado há dois anos atrás” ?
    …’tinha começado há…? Ou, “ tinha começado havia…?” visto tudo ser no passado incluindo a plataforma onde Joanna se situa.

    A historia esta muito interessante mas, na minha opinião introduz demasiada “narração” e não suficiente “acção”. Ou seja o escritor usa demasiado tempo (texto) descrevendo/narrando o que se está a passar nos bastidores, ou no background, em vez de mostrar ou descrever as acções dos protagonistas.
    Em geral a histtória tem bastante potencial/conteudo mas beneficiará se o autor considerar re-escrever a história e introduzir algumas mudanças.
    Gosto do estilo.

    Nota: Isto é a minha opinião do texto e não do escritor. Use o que/se, puder e ignore o resto.
    Força na ‘caneta’; Para nos dar mais deliciosa literatura.
    MF

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    Respostas
    1. Caro MF,
      Muito obrigado pelo seu comentário. é um comentário pertinente e com sugestões válidas. Se alguma vez ponderar rescrever o texto (não é esse o meu hábito pois escrevo três contos por semana para além do dois livros que tenho em curso), irei tomar em consideração as suas sugestões.
      Continue a comentar, pois o feedback dos leitores é um alimento poderoso para quem escreve.
      Abraço
      MMM

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