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CORONAVÍRUS - A REVOLTA DO PLANETA


CORONAVÍRUS - A REVOLTA DO PLANETA

Ainda o mundo não falava de pandemia, embora o vírus se espalhasse de forma rápida e silenciosa, e já este pensamento povoava os meus sonhos: O nosso planeta está a dar-nos um sinal. Hoje estou profundamente convicto de que isso é uma evidência e de que existe uma grande lição a retirar desta pandemia. A dúvida é se a humanidade terá ou não capacidade para apreender a lição e, sobretudo a colocar em prática.
O planeta tentou de tudo. Se estivéssemos perante um ser humano, com todas as tecnologias atuais, à sua disposição, diria que começou por nos escrever uma carta, explicado o que estávamos a fazer mal, depois enviar um telegrama, mostrando-nos a importância de atuar. A humanidade ignorou. Telefonou-nos e, com voz afável, explicou que não podíamos prosseguir por este caminho, apareceu nos nossos instragram ou facebook, nos ecrãs das nossas televisões, mas mesmo assim a humanidade ignorou. Inundou-nos de tal forma com advertências que alguns se convenceram mas, os políticos e o poder económico continuaram do outro lado da barreira. Não foram suficientes os terramotos, tsunamis, incêndios, inundações, tempestades de vária ordem ou ondas de calor mortíferas. Cada uma dessas manifestações afetava sempre uma pequena parte do planeta, que embora sendo distinta, criava as condições para que na parte restante fluísse um pensamento fácil e confortável: isso não é nada comigo, não me afeta.
O que está em causa é a continuidade do planeta terra. Para garantir essa continuidade, de forma sustentável, são necessárias atuações que colocam em causa a nossa forma de viver, nomeadamente, i) quanto à forma de consumo de bens, que para além de ser exagerado, gera um desperdício descomunal, ii) quanto ao sistema produtivo que, sendo ancorado no consumo de energia fóssil, liberta grandes quantidades de gases poluentes para a atmosfera, e, finalmente, iii) quanto à forma e frequência de deslocação dos seres humanos, que, também elas feitas à base de consumo de combustíveis fosseis, inundam a atmosfera de gases destruidores. Convenhamos que a mudança requerida não é fácil. Exige sacrifícios difíceis de aceitar e decisões difíceis de assumir, para uma maioria que usufrui, de forma confortável, de condições de conforto como a humanidade nunca tinha experimentado antes. Estávamos e estamos perante uma decisão daquelas que só se toma no limite, quando estamos mesmo à beira do abismo e quando a única forma de seguir em frente é dar um passo atrás. O COVID-19 colocou a humanidade muito perto dessa situação, pondo em causa o valor da vida. Estando em causa o valor da vida, todos os outros se tornaram relativos, pelo menos na maior parte dos países e dos casos. O COVID-19, ao contrário de todas as outras manifestações do planeta, é global. Vai afetar todos os países: ricos ou pobres e mais ou menos desenvolvidos. Vai afetar pessoas de todas as raças, religiões, idades ou capacidades. O COVID-19 é tão global como as alterações climatéricas e, por coincidência (será que é uma coincidência?), são países como o Brasil e os Estados Unidos, que contestaram as medidas para tentar interromper as drásticas alterações climatéricas, que ignoraram o COVID-19, deixando-o propagar-se livremente, em nome da economia. O COVID-19 não é um vírus democrático, mas é universal.
Não tenhamos ilusões. As consequências do COVID-19 serão nefastas para a economia mundial e os benefícios para o clima serão uma gota no oceano das necessidades. A pandemia que ameaça o planeta não é um remédio, é um mal. No entanto, é o mal necessário para que a humanidade tenha a oportunidade de experimentar soluções alternativas de vida, que garantam também a sustentabilidade do planeta. O planeta está apenas a mostrar-nos o caminho. Mostra-nos a ponta do icebergue, mas os sinais estão todos lá: A i) poluição diminuiu de forma drástica e a ii) humanidade tem a capacidade de se adaptar a outras formas de viver. O desafio está, portanto, na capacidade de alterar o modelo económico, migrando para um que tenha os seguintes impactos, em dois aspetos críticos e fundamentais: consuma recursos naturais a uma velocidade igual ou inferior à que o planeta tem de os repor e reduza claramente a emissão de gases para atmosfera, permitindo ao planeta iniciar a sua regeneração. Os resultados serão progressivos e o caminho é longo, mas a decisão de o iniciar urge!
Esqueçamos por momentos todos os problemas de saúde e os inconvenientes de estarmos todos em quarentena e fixemos a nossa atenção nas lições que podemos tirar daqui e cuja continuidade poderíamos facilmente assegurar. Teletrabalho: Uma percentagem significativa do nosso trabalho pode ser feita à distância, evitando deslocações com todos os inconvenientes associados (consumo de combustíveis, recursos gastos na construção de carros, que deixaria de ser necessária e na manutenção das vias que seria menor, menores espaços de escritórios, etc.).
Viagens de avião: Uma parte muito significativa das viagens de avião são resultado de deslocações em negócios ou atividades profissionais. Grande parte delas são desnecessárias, como está a ser amplamente demonstrado. As videoconferências ou a assinatura digital são inovações que podemos e devemos manter. Não dispondo de dados para quantificar o impacto destas duas medidas, atrevo-me a dizer que a sua implementação reapresentaria uma redução significativa da poluição, sendo que qualquer das duas pode ser implementada de imediato, basta dar continuidade ao status quo atual. Note-se que estas são claramente insuficientes. Assim, a estas duas medidas deveriam seguir-se outras em áreas como a do consumo e do setor produtivo, sendo que um está associado ao outro.
Consumo: Não sei se estamos a alterar os comportamentos de consumo, gerando menos desperdícios, mas sei que é um campo que tem um espaço para uma melhoria muito significativo. A mudança de hábitos, tendente a alterar a forma como consumimos e o que consumimos, é mais difícil de implementar, por isso temos de começar já. Existem, no entanto coisas que podemos todos fazer de imediato: consumir menos (adquirir apenas aquilo que efetivamente necessitamos).
Produção: a alteração do sistema de produção é o desafio que temos pela frente, pois implica algumas ruturas com o passado e a implementação não é imediata. Temos de ter a coragem de fazer essa rotura já!
Poder-se-á dizer que estas mudanças trazem grande instabilidade, desemprego, percas para as empresas ou os seus acionistas. Tudo isso é verdade. Estamos a falar provavelmente de um novo paradigma económico, mas aquilo que precisamos de entender é que a alternativa é muito pior, pois, a prazo, para além de virmos a experimentar tudo isso, estamos também condenados a experimentar uma potencial destruição da humanidade que, em última instância, pode levar à destruição do planeta. Não tenho o dom da premonição, mas existem coisas que penso e que sonho e que depois me perseguem, porque têm um determinado significado e acabam sempre por se materializar de alguma forma, muitas vezes até bem distorcida. No caso do COVID-19, tenho tido a clara sensação que estamos perante um dos últimos avisos do planeta. Ou a humanidade entende os sinais e emenda o caminho ou o planeta se encarregará de nos brindar com um desastre bem pior do que aquele que estamos a viver. As consequências, embora não consiga visualizá-las com nitidez, serão catastróficas, podendo significar um retrocesso de muitos anos do nosso modo de vida. Uma das muitas possibilidades é que depois de uma dessas catástrofes surjam grandes blocos mundiais, com autenticas ditaduras em que os cidadãos, em nome da saúde e da sustentabilidade, são totalmente controlados. Talvez seja uma visão pessimista e a verdade é que o futuro raramente se materializa exatamente como o vemos à distância. As perceções não são claras e são vários os cenários, mas os de continuidade da situação atual convergem todos para uma zona negra, onde o sofrimento e a aflição se sobrepõem ao bem-estar e à felicidade. Pensem nisso!

Comentários

  1. Caro Manuel, não estás sozinho na reflexão. O planeta sempre teve essa capacidade de se regenerar. Evoluiu do fogo, passou pelo gelo mais do que uma vez e normalmente encontrou equilíbrios. No processo dizimou várias espécies. É verdade que o homem primitivo sobreviveu, mas certamente não sem perdas. Se não soubermos parar e mudar o rumo, enfrentaremos certamente um novo episodio de regeneração. Talvez nós não, talvez nem os nossos filhos, mas certamente os nossos descendentes. Uma coisa é certa para mim: Tudo depende do que fizermos amanhã.

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  2. E é já amanhã! Obrigado pelo comentário

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  3. Caro Manuel, acompanho totalmente a sua reflexão e espero que este “susto” seja suficiente para mudarmos de vida mas desconfio que depois desta Pandemia o nosso mundo regressará mais voraz do que nunca para repor as perdas económicas. E com isso, em nome dessa emergência, os actuais planos para as alterações climáticas passarão para segundo plano.
    Cabe a todos nós não deixar que isso aconteça!
    Um abraço fraterno. António Vieira

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    1. Caro António,
      Nós estamos sintonizados, falta saber se os suspeitos do costume também estarão.

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