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A ESTAGIÁRIA


A ESTAGIÁRIA

Margarida virou-se de rompante, perdeu o equilíbrio e sentiu que se ia estatelar no meio do chão. No último instante sentiu-se flutuar, amparada por uns braços fortes. O odor a perfume masculino inundou-lhe as narinas. Inspirou profundamente e, para além do perfume, sentiu o odor masculino, forte, intenso e excitante. Ficou inebriada! Foi preciso algum esforço de auto controlo para não se agarrar ao pescoço dele e cobri-lo de beijos.
Ela era apenas uma estagiária, mas já tinha conquistado a admiração de toda a empresa. A verdade é que conseguia combinar, com excelência, dois grandes atributos: O físico e o intelectual. O administrador financeiro era um homem de quarenta anos de idade, um metro e oitenta de altura e com um charme muito próprio. Era o tipo de homem que fazia suspirar as mulheres que com ele se cruzavam. Era um homem alegre e bem disposto, mas o processo de divórcio porque estava a passar tornaram-no reservado. Estava um homem completamente diferente. Os colegas recordavam com saudade a sua boa disposição. As suas histórias ou anedotas eram brejeiras, mas divertidas e em qualquer encontro social, ao fim de cinco minutos, já estavam todos a rir. Margarida não era uma mulher muito bonita, mas tinha um rosto simpático. O que a fazia resplandecer era o sorriso. Parecia um sol, que surgia de rompante por entre as nuvens! Brilhava, aquecia, envolvia, derretia qualquer coração. Mas o que fazia os homens voltar a cabeça era o seu corpo, alto, bem torneado e esguio. Parecia a obra de arte de um escultor que atingira a perfeição. O que ninguém adivinhava era que dentro daquele corpo habitava uma alma inquieta e uma sede de prazer insaciável.
Margarida desde o dia em que tinha sentido a força dos braços e o pulsar do coração do António, vivia num alvoroço. Apesar do seu apetite sexual, ela sempre tinha conseguido controlar-se, mas no que dizia respeito ao António a história era outra. Como não tinha namorado, não tinha feitio para essa história da exclusividade, tinha três ou quatro amigos coloridos, que partilhavam com ela o tempo e a satisfação dos prazeres mais íntimos. Por esses dias andavam todos numa roda viva. Margarida queria matar o desejo que a consumia, mas por mais que tentasse nada resultava. O pior de tudo é que começou a não ter vontade de estar com os amigos e quando estava com eles sentia que traía o António. Na cabeça dela existia uma relação entre eles e o facto de estar com outro homem significava uma traição. «Meu Deus, eu estou a ficar louca. Logo eu que nunca dei nenhuma importância à fidelidade.» Pensava ela. Começou a satisfazer-se sozinha, fechada no seu quarto. Ali, no seu pensamento, António estava com ela.
Margarida partilhava o espaço de trabalho com três colegas: dois homens e uma mulher. Como estava ao telefone, quem recebeu a mensagem foi um dos colegas. Tinha de se apresentar no gabinete do António. Ela ficou a tremer. Tinha de se controlar. Foi à casa de banho lavar o rosto, mas não resultou. António pediu-lhe para se sentar o que foi a sua salvação. Toda ela tremia. Isso era de tal forma visível que não passou despercebido ao António.
 «Isto aqui está um pouco frio, não é verdade? Desculpa mas eu não gosto de ligar o ar condicionado.»
«Sim.» Respondeu ela, sem conseguir articular mais nada.
Depois de dar as informações que lhe foram solicitadas saiu do gabinete e foi direta para a casa de banho. Aquilo não podia estar a acontecer. Tinha o corpo em convulsões e só pararam quando ela teve um orgasmo.
Passaram algumas semanas e era chegado o jantar de natal. Todas as pessoas da  empresa esperavam que o António estivesse com disposição para contar umas histórias, pois isso garantia uma noite bem passada. Apesar da conclusão do processo de divórcio ainda ser muito recente, ele não os desiludiu. Foi uma noite em grande! Margarida olhava para ele babada e, por várias vezes, o imaginou nos seus braços. Estava tão excitada que nem sabia como tinha conseguido manter-se ali, sob controlo. Para disfarçar bebeu mais do que a conta. Quando os colegas decidiram ir comemorar o resto da noite numa discoteca, ela não estava em condições de os acompanhar. António, que também não iria com eles, predispôs-se a ficar um pouco mais no restaurante com a Margarida.
«Bebe este copo de água. Depois de uns cafés ficas como nova.» Disse António.
Margarida tinha vomitado e isso eliminou a má disposição. O café fê-la arrebitar e já estava em condições de ir para casa.
«Que vergonha. Isto não podia acontecer.» Disse ela.
«Não te preocupes. Devias ver o estado em que eu fico quando bebo mais do que a conta.» Disse ele.
Foi assim que começaram as confidências. António falou do seu divórcio e ela ouviu. Ao tomar conhecimento da faceta frágil de António, ainda gostou mais dele. Não resistiu, confessou-lhe o seu amor.
«Ouvir essa confissão de uma jovem como tu fez-me sentir vinte anos mais novo.»
Ela soltou uma gargalhada. Tinha voltado a ser a Margarida, coquete, conquistadora, insinuante.
«Tu não aparentas mais de trinta e tens um espírito mais jovens que muitos rapazes da minha idade.»
António sorriu. Agora que olhava para ela de outra forma percebia o quão atraente ela era. Estava na altura de a levar para casa. Ela convidou-o para subir e ele não se fez rogado. Margarida vivia com uma amiga que tinha ido passar o fim de semana com o namorado, por isso tinham a casa só para eles.
Sem qualquer necessidade de palavras eles entregaram-se um ao outro. António era um homem experiente, com iniciativa e com imaginação. Margarida que era uma controladora, surpreendeu-se consigo própria: submeteu-se a tudo o que ele lhe pediu, por mais bizarro ou extraordinário que fosse. Os instrumentos e posições que experimentaram pareciam tirados do Kama Sutra. Nunca tinha sentido tanto prazer, nem atingido tantos orgasmos, em tão pouco tempo. Foram quatro horas de prazer ininterrupto, inconsequente, e extenuante. Ela não se lembrava de ele ter ido embora. Num momento estava a atingir um clímax em cima dele, completamente transpirada e, no momento seguinte, ouviu o despertador tocar.
Olhou à sua volta. Estava sozinha. Tinha o pijama vestido e a cama não tinha qualquer outro vestígio, para além do deixado por ela, numa noite de sono profundo. «Será que tudo isto não passou de um sonho?» Foi até à sala e estava tudo em ordem, nenhum vestígio das duas horas de sexo louco que viveu ali. Quem tinha arrumado a mesa? Eles tinham jogado tudo no meio do chão, quando ele a chicoteou, em cima da mesa! Correu para a cozinha. A bancada estava arrumada com os vários objetos alinhados. Isso era impossível! Ele tinha usado nela vários instrumentos, em cima da bancada, que ficou completamente vazia. Estava a ficar louca! Foi para a casa de bano e despiu-se. O corpo não tinha marcas, depois de tudo o que ele lhe tinha feito! Nem sequer existiam vestígios de sémen! Sentou-se na sanita. Só havia uma explicação: afinal não tinha passado de um sonho. Tomou banho e foi trabalhar.
«Então estás melhor? Tu estavas podre de bêbada, ontem à noite e o António teve de te levar a casa.» Disse o colega.
«Mas eu não vomitei no restaurante e fiquei boa?»
«Só se o António conhece alguma receita milagrosa para a cura da bebedeira!» Disse o colega.
Quando o António passou por ela e apenas a cumprimentou, perguntado se não estava de ressaca, ela desistiu. Desejava tanto aquele homem que tinha sonhado que estava com ele, de forma estranhamente íntima. «Se tudo não passou de um sonho como é possível ter sonhado com coisas que desconhecia totalmente?» Interrogou-se. António viu as duas rugas na testa dela e nos seus lábios aflorou um sorriso irónico.

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