O
PAI NATAL TEM ASAS
Idaleuza
saiu apressada do condomínio, o seu terceiro emprego e correu para apanhar o
ónibus. O chiar dos travões fê-la saltar para o lado. «Nem na passadeira?» Tinha
que pegar o Julinho, na casa da mãe e fazer o jantar para os três. Sendo mãe
solteira, com dois filhos para sustentar, tudo era planeado ao pormenor, desde
a forma de gastar o parco rendimento ao próprio tempo. Setenta e cinco minutos
depois estava em São Conrado. Após uma hora de caminhada ingreme, a subir a
ladeira da favela Rocinha, já com a criança ao colo, estava em casa. As paredes
de tijolo nu e madeira e o teto de zinco ofereciam uma proteção mínima. Quando
chovia apenas a zona da cama ficava mais ou menos seca. O marido, preso por se
ter envolvido com os barões da droga, tinha morrido fazia um ano. A casa,
oferecida pelo chefe do bando, tinha sido a única ajuda que recebeu. Sendo uma
mulher interessante tinha recebido algumas propostas.
«As crianças ficam com a tua mãe ou são
entregues para adoção.» Diziam, sem exceção.
Os
filhos faziam parte dela, por isso continuava sozinha. Era o primeiro Natal
desde que Alair, o filho mais velho, tinha começado na escola.
«Mãe, a professora disse para a gente
escrever ao Pai Natal.»
«E tu o que fizeste?»
«Eu disse que o Pai Natal não existia.»
«O que disse a professora?»
«Disse para eu imaginar que o Pai Natal
existia e eu escrevi.»
«O que pediste ao Pai Natal.»
«Pedi para ele trazer o pai de volta.»
A
mãe parou de mexer o tacho e olhou com ternura para o filho, sentado na pequena
mesa, a fazer os trabalhos de casa. Virou-se e limpou a lágrima que teimava em
brotar no canto do olho.
Alair
bem desejava ter pedido uma play station, mas acima de tudo tinha saudades do
abraço e do carinho do pai.
Era
véspera de Natal. A tarde tinha sido agitada com buscas no morro e à noite
continuava. Os foguetes misturavam-se com os tiros e com luzes dos holofotes dos
helicópteros. O homem, acossado pelos seus perseguidores, abriu a porta e
entrou de rompante. Ao ver Alair o Pai Natal colocou-lhe o dedo nos lábios e
entregou-lhe o saco. Alair, de boca aberta, segui-o até à porta a viu-o
lançar-se em voo. O Pai Natal tinha um fato planador. De regresso, da casa da
vizinha, a mãe viu o homem sair de sua casa, lançar-se em voo e ser de imediato
abatido. Entrou em casa, com o coração apertado, a tempo de ver o filho tirar
de dentro do saco uma caixa com uma play station. No fundo do saco ficaram
alguns maços de notas.
«Mãe o Pai Natal existe!»
Ela
abriu a boca para desmentir o filho mas ao ver a felicidade estampada no seu
rosto calou-se. Aproximou-se dele e abraçou-o com carinho. Este retribuiu-lhe
com um beijo e disse.
«Mãe viste? Afinal o Pai Natal tem asas…»
Comentários
Enviar um comentário