A FAMILIA NATAL
Teresa
perdeu os pais cedo demais e como seu desaparecimento ficou sem rede familiar.
Quando conheceu o marido tinha vinte anos e já trabalhava desde os dezassete.
Em termos de estudos tinha ficado pelo décimo primeiro ano porque teve de
começar a trabalhar. Quando a autarquia deu início aos cursos técnicos de três
anos, ela foi uma das primeiras pessoas a inscrever-se. Logo a seguir o marido
teve o acidente. Apesar do esforço que isso significava ela não desistiu do
curso, aproveitando o apoio que o seguro dava ao marido, para a ajudar a manter
a família. Infelizmente tudo tinha terminado da pior maneira. O valor da
indemnização do seguro tinha sido gasto sem que o marido conseguisse voltar a
andar e o seu recebimento impedia-o de auferir qualquer pensão da segurança
social.
Alberto,
um dos professores do curso, cujo envolvimento era completamente pro-bono,
ficou triste com a notícia de que Teresa iria desistir no fim do período. Na
primeira oportunidade falou com ela.
«Não posso continuar Alberto.» Dizia ela, de
forma emocionada.
Alberto
percebia o quão difícil era a decisão que ela estava a tomar. Era como desistir
de uma parte dela própria. Quis perceber a razão. Teresa explicou que o valor
do seguro tinha sido gasto na totalidade durante os últimos dois anos e que o
marido não conseguia arranjar trabalho estando numa cadeira de rodas. Por isso
ela tinha de arranjar um segundo emprego. Isso implicava desistir do curso.
«A Teresa está nó último ano. Faltam apenas
sete meses!»
«Eu tenho cinco filhos. São sete bocas para
alimentar. Felizmente foi-me atribuída uma casa e não pago renda.»
«Existe alguma forma de eu ajudar a Teresa de
forma a não desistir do curso?»
«A única forma era o João arranjar emprego,
mas isso é impossível. O pior vai ser o Natal comigo a trabalhar até às onze da
noite e sem dinheiro para as prendas das crianças e para uma ceia decente.»
Alberto
ficou a pensar no assunto. Ele tinha tido uma carreira brilhante na banca, da
qual se tinha reformado fazia três anos, para se dedicar a ensinar numa
universidade e em cursos técnicos como aquele. Tinha uma situação financeira
confortável e uma boa lista de contatos. «Como é que posso ajudar esta
família?» Interrogou-se. Falou com a esposa e tomaram uma decisão. No fim-de-semana
seguinte os filhos e os netos foram almoçar lá a casa. A seguir ao almoço
Alberto introduziu o tema.
«Eu e a vossa mãe decidimos partilhar o nosso
Natal com uma família carenciada. Trata-se da família de uma aluna da escola
técnica.»
«Isso quer dizer que vamos ter cá em casa um
monte de estranhos?» Disse a filha, mostrando algum desagrado.
O
marido dela não se pronunciou, mas o irmão secundou-a, sendo contrariado pela
própria mulher, que achou a ideia excelente.
«Não. Não vamos receber ninguém cá em casa.
Vamos levar o Natal a casa deles.» Disse a mãe.
A
ideia gerou alguma polémica. Os filhos e respetivos companheiros não estavam
muitos satisfeitos com a proposta. Foram os netos que puseram um ponto final no
assunto. Quando a conversa começou estavam todos à mesa, mas sem que ninguém se
apercebesse os cinco netos, com idades entre os sete e os catorze anos,
ausentarem-se. Agora que um silêncio constrangedor se tinha instalado a sua
ausência era notória.
«Onde estão as crianças?» Perguntou Sofia, a
esposa de Alberto.
«Estamos aqui Avó.» Disseram eles, entrando
na sala ao mesmo tempo.
Os
cinco, em conjunto, foram abraçar os avós e o mais velho tomou a palavra.
«Pais e tios. Nós percebemos o vosso
incómodo. Não é fácil sair do conforto onde nós vivemos. Não é fácil prescindir
daquilo que consideramos como merecidamente adquirido. Sabemos também que somos
jovens, crianças mesmo e portanto sem qualquer experiência da vida. Mas lidamos
com a realidade de outras crianças nas nossas escolas e achamos a sugestão dos
avós fantástica. Nós estamos disponíveis para partilhar a nossa companhia e as
nossas prendas com os meninos dessa família.»
A
emoção tomou conta daquela família. Sem necessidade de quaisquer palavras
juntaram-se todos ao abraço entre netos e avós.
Na
Noite de Natal o Alberto e a Sofia foram busca Teresa ao trabalho. Ela não
queria acreditar no que estava a acontecer. Assim sempre chegaria a casa mais
cedo e podia antecipar um pouco a ceia de Natal. A mesa de Natal estava posta:
enfeitada com um ramo, feito pelo marido, com flores colhidas nos jardins
públicos e ramos de pinheiro trazidos pelos filhos. Numa pequena mesa, ao lado,
repousavam alguns dos doces típicos do natal, em quantidade moderada. A árvore
de natal era o ramo de um pinheiro que alguém tinha jogado fora, enfeitado com
várias peças feitas por toda a família. Era uma árvore diferente e
encantadoramente simples. Antes que Teresa tivesse tempo de fechar a porta os
quatro pais natal entraram, seguidos de cinco gnomos. Vinham carregados de sacos
com prendas, algumas iguarias e o jantar propriamente dito, que foram colocadas
sobre a mesa. A família de Teresa ficou um pouco assustada e ela virou-se para
Alberto com um olhar interrogador.
«Nós ficaríamos muito honrados se nos
deixassem partilhar convosco esta refeição, debaixo do vosso teto.» Disse
Alberto.
Teresa
ficou sem resposta. Os filhos olhavam para a mesa com os olhos esbugalhados e o
marido baixou o rosto para esconder as lágrimas. Só ele sabia o quanto lhe
custava não dar a sua família aquilo que ela merecia. Foi graças a uma
companheira fantástica e aos cinco filhos maravilhosos, que ele conseguiu
ultrapassar o trauma do acidente. Para ele, eles mereciam tudo, para sua
infelicidade não lhes podia dar mais nada para além do seu amor. Depois de
feitas as apresentações os netos de Alberto ajudaram os filhos de Teresa a
vestir-se de gnomos. Qualquer diferença que pudesse existir entre eles
desapareceu. Eram apenas dez crianças felizes e contentes. O jantar terminou
muito depois da meia-noite, pelo que era altura de distribuir os presentes. Os
netos de Alberto decidiram que cada um deles partilharia as suas prendas com um
dos filhos de Teresa, com aproximadamente a mesma idade. A distribuição foi
feita de forma curiosa. A cada prenda foi atribuído um número e depois foram
sorteadas. Isso colocou-os a todos em pé de igualdade. Teresa também recebeu
uma prenda. Dentro da caixa, para além da gabardina estavam três envelopes.
Cada casal ofereceu a quantia que queria ou podia. Já todos tinham aberto as suas
prendas, mesmo as lembranças, feitas por eles próprios, que a família de Teresa
tinha para distribuir entre eles. Apenas faltava o João. Foi nessa altura que
todos repararam numa grande embalagem de cartão que tinha ficada à entrada da
porta. No seu interior estava uma cadeira de rodas moderníssima, que permitia
uma grande mobilidade. Ao abrir a cadeira, para a experimentar, João reparou
num envelope. La dentro estava um contrato de trabalho, com um gabinete de
arquitetura, que se prontificou a colocar em casa dele um supercomputador e a
pagar uma ligação de internet, para ele se ligar ao escritório e trabalhar a
partir de casa. João não se conteve e, desfeito em lágrimas, jogou-se para o
chão ficando de joelhos abraçado às pernas de Alberto. Com a ajuda dos restantes
Alberto levantou-o e envolveu-o num abraço ao qual todos os presentes se
juntaram.
«Obrigado.
Não sei se o Pai Natal existe, mas a Família Natal está aqui hoje, comigo.»
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