A INQUILINA
Gonçalo era um homem feliz. Ao fim de três anos de casado
ele e Júlia, a sua mulher, tinham decidido ter o primeiro filho. O feto tinha apenas
cinco semanas, pelo que ainda era muito cedo para divulgar a informação.
«Não vamos dizer a ninguém,
não vá o diabo tecê-las!» Dizia Júlia.
Ele recebeu a notícia como uma bomba! Como era possível
estar a acontecer tal coisa? Será que Júlia tinha perdido o juízo? Estava a
jantar numa esplanada, à beira do rio Tejo, numa bela noite de Julho. Corria
uma brisa muito suave mas agradável, dada a elevada temperatura da noite. Tinha
sido um jantar romântico, mas vivido com alguma ansiedade. Desde o momento em
que se sentaram à mesa que ele tinha sentido que Júlia estava a tentar encontrar
uma forma para lhe dizer algo. Faltava-lhe a coragem. O robalo escalado e
assado na grelha estava delicioso, mas ela mal lhe tocou. Isso era mau sinal!
«Vou seis meses para
Frankfurt.» Disse ela de chofre.
Gonçalo abriu a boca mas não emitiu qualquer som. Estava
completamente atordoado. Tinha bebido sozinho a garrafa de vinho branco, mas
não era isso que toldava o seu espírito. A notícia tinha tido o efeito de uma
pedrada na testa. Ele não queria acreditar no que acabava de ouvir.
«Não posso acreditar que
depois de tudo o que falamos sobre ter um filho e o compromisso mútuo de nos
envolvermos na sua educação e crescimento, tu me vais privar de acompanhar a
gravidez!» Disse Gonçalo, ainda incrédulo.
«Não exageres. Eu é que
vou ter de fazer o sacrifício de ter uma gravidez sem o teu apoio.»
«Só falta dizeres que a
culpa de tu ires seis meses para longe é minha!» Disse ele, meio
exaltado.
«Não. A culpa não é tua.
A opção é minha, mas isso é determinante para a promoção a diretora
coordenadora, no Banco de Portugal. Tenho de passar seis meses no Banco Central
Europeu.»
«Essa parte eu entendo
perfeitamente. Mas tem que ser durante a gravidez?»
«É preferível agora do
que no fim da gravidez ou depois da criança nascer! Preferias que te deixasse
com a criança nos braços daqui a um ano ou dois?» Disse ela, ligeiramente
impaciente.
Ele olhou para ela de olhos arregalados. Como podia ela
dizer aquilo. Obviamente que era muito pior ficar com a criança. A questão dele
era diferente. Como podia ela sequer ponderar a hipótese de estar fora durante
mais do que uns dias, agora ou em qualquer altura.
«Tu não podias fazer-me
uma coisa destas!» Disse num tom mortificado.
«Muito bem. Então
responde-me a uma pergunta. Se a BCG te propusesse estar fora durante seis ou
doze meses, como forma de seres Partner, qual seria a tua decisão?»
«Isso seria uma
oportunidade que eu não perderia em qualquer…»
Gonçalo não concluiu a resposta. Tinha acabado de matar
os seus argumentos. Expirou profundamente e baixou os olhos. Júlia
acariciou-lhe as mãos e ele retribui-lhe. Ficaram assim calados, perdidos no
olhar um do outro. Foi um momento mágico. A adrenalina da discussão desapareceu
e eles foram invadidos por uma sensação de paz profunda. O amor encheu-lhes o
coração de felicidade. A tranquilidade inicial proporcionada pelos carinhos foi
substituída por uma excitação crescente e eles decidiram substituir a discoteca
pela alcova. Foi uma noite de sexo extasiante e extenuante. A vontade com que
se entregaram um ao outro, uma e outra vez, parecia querer compensar, por
antecipação, os seis meses de separação que se aproximavam.
Fazia um mês que Júlia tinha partido. Por razões diversas
nem um nem outro tinha conseguido disponibilidade aos fins-de-semana para se
deslocar. Isso significava que não se viam desde a sua partida. A ausência dela
fez com que tivesse de lidar com algumas questões às quais não estava
acostumado. Uma delas era a relação com os inquilinos dos dois apartamentos que
os pais dela lhes tinham deixado. Ela, sendo advogada, conhecia melhor os aspetos
legais da coisa. Três meses antes de partir ela tinha assinado um contrato com
uma nova inquilina. Tratava-se de uma jovem que ela conhecia de alguma forma,
embora não fizesse parte do círculo de amigos íntimos deles. A inquilina estava
com o pagamento da renda atrasada em dois meses. Gonçalo bateu-lhe à porta.
Júlia tinha-lhe dito que a inquilina era uma jovem interessante, mas ele não
estava preparado para aquilo. A ruiva que lhe abriu a porta era uma mulher
esplendorosa. Apesar de calçar apenas umas sabrinas tinha quase a altura dele.
Os calções curtos mostravam uma parte das nádegas, e evidenciavam umas pernas
elegantes. O top curto mostrava uma barriga lisa e evidenciava uns seios
redondos e volumosos. A sensualidade daquele corpo era arrebatadora! O rosto,
apesar de não ser especialmente bonito, irradiava luz, graças ao sorriso
provocante. Os olhos azuis pareciam um oceano que o convidavam a um mergulho.
Afogou-se neles.
Gonçalo não conseguiu dizer nada e colocou a mão na
ombreira da porta para não cambalear. Inês, consciente do efeito que tinha
provocado, esperou uns segundos antes de dizer alguma coisa.
«Boa noite Gonçalo.
Queres entrar?»
Gonçalo respirou fundo para recuperar do impacto daquela
visão e entrou. Não foi uma conversa fácil porque ele não conseguiu assumir o
controlo da mesma. Inês fez dele gato-sapato. Entre insinuações e desculpas,
por estar a passar algumas dificuldades financeiras, ela conseguiu não pagar a
renda. Ao fim de uma hora Gonçalo foi-se embora e a única coisa que levava no
bolso era a promessa de que ela pagaria na sexta-feira da semana seguinte, dia
em que estava convidado para jantar lá em casa.
Gonçalo saiu dali meio transtornado, mas rapidamente se
recompões, sobretudo porque recebeu um telefonema de Júlia, dizendo que vinha
passar o fim-de-semana a Lisboa. Foi muito bom estar com a mulher. A
barriguinha começava a notar-se e ela ficava bastante sexy. Apesar disso foi com a Inês que ele sonhou. Um sonho agitado,
excitante e tresloucado!
Tal como combinado na sexta-feira da semana seguinte
tocou à campainha da casa de Inês. Teve de tocar várias vezes, antes dela
abrir. A partir de determinada altura era notório que os vizinhos da frente
estavam a espreitar pelo óculo da porta. Já tinha dado nas vistas! Inês
apresentou-se de forma provocante: vestia leggings
pretas e uma blusa branca, justa e com um decote generoso. Os sapatos de salto
alto davam-se uma elegância e uma sofisticação acima do normal, colocando-a com
a mesma altura do Gonçalo. O olhar de Gonçalo perdeu-se naquelas pernas que
pareciam não ter fim. Foi um jantar inesquecível. Inês era uma perita em sedução.
As insinuações, os sorrisos, as posturas do corpo e até o roçar, aparentemente
inadvertido, nas pernas, com um pedido imediato de desculpas, eram parte de um
jogo em que ela era eximia. Gonçalo para além de excitado estava ligeiramente
animado, pois sem se aperceber tinha bebido a totalidade da garrafa do vinho e
comido muito pouco. Ele sabia que era a altura de receber o dinheiro e ir
embora. Mas o estado de excitação em que estava condicionava todas as suas
ações. A urgência da satisfação do desejo sobrepunha-se a qualquer outra
necessidade ou condição. Consciente do estado em que ele estava ela propôs que
tomassem o café no sofá. Depois dele estar sentado, Inês passou à frente dele,
com a bandeja dos cafés. As ancas dela desfilaram a milímetros do rosto de
Gonçalo. Ele ficou inebriado com a proximidade. Inês dobrou-se para a frente
para servir o café. Com os seios debaixo dos olhos dele e espetando as
ancas, ofereceu-lhe o café. Gonçalo avançou para ela e depositou-lhe um beijo
suave nos lábios. Inês fingiu surpresa e afastou-se lentamente, de forma
estudada.
«O que é que tu queres?»
Perguntou.
«Eu quero-te a ti.»
Disse ele, com voz rouca.
«Tu és casado. O que é
que a Júlia vai pensar se souber?»
«A Júlia é a menor das
minhas preocupações.»
Trocaram beijos ardentes e acariciaram-se com
sofreguidão, durante alguns minutos. Depois ela parou, afastou-o com carinho e
olhou-o nos olhos de forma sedutora.
«Diz-me exatamente o que
queres de mim.»
Ele estava completamente fora de si. Apenas queria agarrá-la,
beijá-la e possuí-la.
«Quero sexo. Quero-te
penetrar uma e outra vez!» Disse ele com a voz a tremer.
«Eu não costumo fazer
isto com homens casados, mas não te consigo resistir. Tu és o meu ópio!»
Ela despiu-o rapidamente e depois deixou que ele lhe retirasse
todas as roupas até estar apenas de roupa interior. Rebolaram um sobre o outro
e ela afastou-o e acariciou-lhe o sexo, como se estivesse a exibi-lo para uma
audiência.
«Deixa-me desligar o
telemóvel para não sermos interrompidos.» Disse ela.
Entregaram-se um ao outro de forma selvagem. Com as mãos
e com os lábios exploraram o corpo do parceiro, sem pudor e sem reservas. Ela
invetivou-o a controlar-se e ele obedeceu como uma criança. Quando ela percebeu
que ele não conseguia aguentar mais tempo, deixou que atingisse o clímax dentro
dela, abandonando-se a ele. Aquilo deu-lhe muito mais prazer do que esperava.
Durante um mês eles estiveram juntos, regularmente e Gonçalo já não podia
passar sem aqueles momentos de loucura, que eram os encontros com Inês. Entretanto,
já eram três os meses de renda em atraso.
No fim do segundo mês de ausência da mulher ele foi
passar o fim-de-semana a Frankfurt. Quando a mulher percebeu que a Inês
continuava sem pagar a renda, disse ao marido que se ele não conseguia cobrar o
valor ela mesma iria fazê-lo. Gonçalo ficou numa posição desconfortável. Ele
não podia permitir que a Júlia falasse com Inês. Tinha de ser ele a fazê-lo. O
resultado foi catastrófico.
«O que eu te dei no
último mês paga a renda para o resto da minha vida.» Disse Inês em tom jocoso.
«Não vamos misturar as
coisas. Aquilo que existe entre nós é para satisfação mútua, nada tem a ver com
a renda da casa.»
«Então tu achas que se
eu pagasse a renda da casa alguma vez terias nos teus braços este corpinho.» Disse
ela, fazendo descer as mãos ao longo do corpo.
Aquele comentário foi uma machadada no seu orgulho. Ele
era um homem muito convencido e confiante nas suas capacidades de macho.
«Se não pagas a bem
pagas a mal. Eu vou dar entrada de uma ação de despejo.»
«Antes de o fazeres era
interessante veres estes vídeos e áudios.» Disse Inês.
Ela tinha gravado todos os encontros, parte em vídeo e
parte em áudio. «Por isso é que ela estava sempre a mexer no telemóvel!» Pensou
Gonçalo. Era inequívoco que ele não só tinha estado várias vezes com a Inês,
como tinha feito comentários depreciativos em relação à mulher. Aquilo era uma bomba.
Ele estava nas mãos dela!
Entretanto Júlia não conseguia compreender como é que ele
não conseguia receber o valor da renda e não parava de questionar o marido
sobre o assunto. Gonçalo começou a ficar nervoso, dormia mal e andava com um ar
cansado. Vivia aterrorizado com a perspetiva de a mulher vir a descobrir aquilo
que se tinha passado.
A solução para o problema surgiu-lhe, de forma
inesperada, durante um almoço com um amigo.
«As mulheres são piores
umas para as outras do que para os homens.» Dizia o amigo.
O amigo contou uma história para exemplificar o assunto.
A prima dele tinha traído o namorado com um amigo. A irmã do namorado descobriu
e ameaçou contar tudo ao irmão, quando ele regressasse de Espanha, onde estava
em trabalho. A prima prometeu entregar-se a um rapaz, por quem a irmã do
namorado era apaixonada, se ele seduzisse a futura cunhada, que era bastante
desengraçada. A coitada da rapariga foi surpreendida pela prima, enrolada com o
rapaz, dentro de um carro, num parque de estacionamento. A prima usou isso para
calar a futura cunhada e tudo ficou entre elas.
«Como vês as mulheres
são todas umas… são todas iguais!»
«Não concordo contigo.
Elas nem são isso que tu ias dizer, nem são todas iguais. São apenas diferentes
dos homens. Somos todos apenas seres humanos, com virtudes e defeitos!» Disse
Gonçalo de forma convicta.
Quando o almoço terminou ele tinha tomado uma decisão: ia
investigar a vida da Inês. Aquilo que descobriu deixou-o entusiasmado. A Inês,
na altura em que tinha andado com ele, já andava com o chefe dela, o que lhe
garantia uma situação privilegiada na empresa. A única grande desvantagem do
relacionamento era que o chefe era excessivamente possessivo e ciumento.
Gonçalo tinha recebido uma cópia de três dos filmes e gravações feitos pela
Inês. Depois de pensar bem no assunto decidiu marcar um encontro com ela, num
café, junto ao trabalho dela. Não tinha nada a perder.
Quando ela chegou ele foi direito ao assunto.
«Quero que vejas isto.»
Inês quando viu a gravação riu-se.
«Querias estar no lugar
dele? O Francisco é um homem a sério e está completamente apaixonado por mim.»
«O que é que tu achas
que ele dirá quando vir este vídeo?» Perguntou Gonçalo, mostrando um dos vídeos
que ela lhe tinha enviado.
Inês ficou calada, branca como a cal, a olhar para ele. «Tinha
sido muito estúpida ao enviar-lhe aquilo.» Pensou.
«Ouvi dizer que ele é
muito ciumento.» Acrescentou Gonçalo.
«O que é que tu queres?
Queres dar mais umas cambalhotas?» Perguntou.
«Não. Quero que me
pagues as rendas em atraso e que saias da casa no fim do mês.»
«Estás louco! Não tenho
para onde ir.»
«Isso é um problema
teu.» Disse ele, com firmeza.
Quando Júlia regressou Gonçalo recebeu-a com todo o carinho,
demonstrando o seu amor com verdadeira paixão. Fazia-lhe todas as vontades e estava verdadeiramente
feliz com o regresso dela. Quando ouvia falar de histórias de traição ou quando
se comentava a mesquinhice das mulheres, ele lembrava-se sempre desta história
e ficava com o coração apertado. O facto é que ele tivera esse comportamento
mesquinho e era homem! Durante algum tempo ele ainda viveu atormentado pelo
medo e pela dúvida. «Se a Inês fala, eu perco a mulher que amo!» Pensava.
O filho nasceu e nada aconteceu. A tempestade tinha
passado e ele tinha aprendido a lição. Será que tinha? Bem, o futuro seria o
juiz dessa causa!
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