DIVAGAÇÕES
Júlio acordou sobressaltado. A noite tinha sido povoada
de sonhos estranhos. Normalmente lembrava-se dos sonhos com alguma facilidade.
Não era o caso. Os pequenos excertos que recordava eram cenas confusas daquilo
que foi um grande pesadelo. Levantou-se e foi para o duche. Deixou a água
correr. Lavou o corpo e a mente, esvaziando-a do desconforto que os sonhos
haviam provocado.
Os filhos ainda estavam a dormir. Era o último dia da
semana do pai, nos termos do acordo de divórcio alcançado de forma rápida, mas
satisfatória para ambas as partes. A mulher apaixonou-se por um colega de
trabalho e a relação tornou-se impossível. Os dois anos que tinha passado em
Angola tinham contribuído muito para o facto. Aos trinta e cinco anos de idade,
Júlio tinha feito uma mudança de vida radical. Se queria fazer parte da vida
dos filhos tinha que arranjar tempo para eles. Talvez tivesse conseguido salvar
o casamento se tivesse feito esse esforço antes! Preparou o pequeno almoço das
crianças e o seu. Quando estava tudo na mesa chamou-os.
- Bom dia alegria! Disse
entrando no quarto e fazendo subir a persiana.
As crianças arranjaram-se rapidamente. Estavam ansiosas
porque iam passar uma semana de férias com a mãe, razão porque esta tinha vindo
buscá-los mais cedo. O pequeno almoço foi animado até porque, ainda que sob
protesto, eles não estavam autorizados a ter com eles nem o telemóvel nem qualquer
outro aparelho. As colunas espalhavam pela sala o som do piano do Richard
Clayderman, num tom suave, criando um ambiente propicio ao convívio. O pai
estimulava-lhes a imaginação. Todos os dias eles tinham de descobrir, no
exterior ou no interior da casa, coisas novas. Era interessante como eles
acabavam por descobrir coisas que nem ele tinha visto, mesmo num quadro que ele
pensava conhecer de cor.
Depois de entregar as crianças à mãe delas, colocou a
casa em ordem e sentou-se no sofá. Eram dez horas da manhã. Fechou o livro com
alguma impaciência. Não conseguia concentrar-se na leitura. O telefone tocou.
- Júlio, é a Vanessa.
- Olá Vanessa. Olha já
te ligo. Tenho uma chamada do meu filho a entrar. Tenho que desligar.
Foi a melhor desculpa de que se lembrou. Tinha de pensar
um pouco antes de iniciar uma conversa com a Vanessa. Ela era o seu ópio.
Aquela mulher era uma vampira sexual e ele não lhe conseguia resistir. Um
encontro entre eles envolvia sempre umas horas de sexo intenso e pouco ortodoxo.
Ela gostava de ser dominada e humilhada e tinha prazer na dor. Júlio bem
tentava evitá-lo mas isso atraí-o de uma forma que não sabia explicar. A
verdade é que depois que tudo terminava se arrependia e apenas queria fugir
dali. Chegava mesmo a sentir nojo dela, depois de ver o seu desejo satisfeito.
Desligou o telemóvel. Ficou a olhar para o tapete ao som das notas do Yellow
Submarine. Era um tapete com uma matriz geométrica que ele conhecia de cor. No
entanto, naquele dia os desenhos pareciam ter tonalidades diferentes nos
rebordos. Era como se existisse um intervalo entre cada um dos desenhos, com
uma cor distinta do resto. Colocou-se de joelhos para ver melhor. Apanhou um
susto. Na sua frente estava Vanessa de quatro, espetando a bunda na sua
direção, toda nua. Nos lábios tinha pendurado um sorriso malandro e desafiante.
- Pega no chicote!
Ordenou ela.
Sem perceber como, estava sentado com a costas a
pressionar o sofá, violentamente. As gotas de suor corriam pela testa e caiam
na camisa. Olhou para baixo. Estava com uma ereção monumental. Foi até à casa
de banho lavar o rosto. A água fria acalmou-o um pouco. Ficou a olhar para a
sua imagem no espelho.
- Será
que estou a ficar maluco? Interrogou-se.
Olhou para ela com uma expressão incrédula. O espelho
refletia a imagem do corpo de Vanessa completamente nu. Ela avançou para ele e
começou a tirar-lhe a roupa. A mão direita acariciou-lhe o peito enquanto a
esquerda desceu às suas partes íntimas. Júlio tremia. Fechou os olhos e
abandonou-se àquele prazer. Era um prazer insano, diabólico, mas tão intenso e
tão gostoso que ele desistiu de lhe resistir. Nada. Assim que fechou os olhos a
imagem dela e todas as sensações associadas a esta desapareceram. Apenas a
ereção não desaparecia. Decidiu despir-se e deitar-se. Quando estava excitado e
se queria satisfazer a si próprio, gostava de estar nu, deitado na cama.
Puxou os lençóis para trás e lá estava ela novamente.
Deitada, de abdómen para cima, com a ancas ligeiramente levantadas e as pernas
abertas
- Vem! Penetra-me!
A ordem foi dada com uma voz rouca de sensualidade e prazer.
Ela estava ao rubro. Ele não aguentou mais. Decidiu que não queria resistir.
Esticou o braço para a agarrar. Fê-lo com tal violência que deu um soco no criado
mudo. Soltou um grito de dor e acordou.
- Que porcaria de
sonho!
Levantou-se e foi ver como estavam as crianças. Eram oito
da manhã e elas dormiam tranquilamente.
Comentários
Enviar um comentário