A JORNALISTA |PARTE IV | CAPÍTULO 4 – O Segurança
O jogo do rato e do gato estava a tornar-se cada vez mais
complicado. Ela não deveria ter facilitado as coisas ao segurança no palacete,
mas depois de sair do subterrâneo não tinha tido outra alternativa. Ela sabia
que o segurança não hesitaria em disparar a não ser que desse a conhecer a sua
identidade. No entanto, isso comportava riscos enormes. Ela tinha de arranjar
uma forma de enviar uma mensagem clara ao segurança. Ele tinha que perceber que
tinha todo o interesse em permanecer calado. Utilizaria o ponto mais fraco dele.
Felizmente ela conhecia-o bem!
O filho do segurança tinha apenas doze anos, mas tinha aprendido
a ir para a escola a pé e sozinho. A escola ficava a dez minutos de distância e
o percurso era feito por uma zona bem movimentada, por isso, o pai, quando não
podia levá-lo, autorizava-o a ir sozinho. Foi o que aconteceu nesse dia. Ele
saiu de casa cedo para render o colega da noite e organizar os assuntos do dia.
Às nove os trabalhadores começaram a entrar e ele foi-os recebendo instalado no
seu posto. O toque do telefone sobressaltou-o. Não estava à espera de nenhum
telefonema por isso pegou no aparelho de forma despreocupada. Quando reconheceu
o número da escola uma ruga de preocupação marcou-lhe a testa.
«Bom dia.» Disse ele.
«Bom dia. Estou a falar com o pai do Rafael?» Perguntou a voz.
«Sim.» Respondeu ele, cada vez mais preocupado.
«Como ele não veio às aulas, gostávamos de saber se ele está
bem.» Disse a voz.
«Como? Pode repetir por favor.» Disse, em pânico.
«O Rafael não veio às aulas.»
«Isso não é possível. Ele saiu de casa às sete e cinquenta.
Ligou-me quando estava a sair e depois quando estava já perto da escola. Eu
tive de sair mais cedo e não o podia levar.»
«Então convém que procure saber onde está pois não se encontra
na escola.» Disse a voz, num tom preocupado.
O segurança agradeceu e desligou a chamada, ligando em seguida
para o filho. O telefone dava sinal de chamada e ao fim de alguns toques a chamada
era reencaminhada para a caixa de mensagens. Deixou uma mensagem. Ele nem
queria acreditar que aquilo estava a acontecer. Falou com o Senhor Lins e ele,
para além de o dispensar, ligou para a polícia e usou a sua influência para
conseguir que o desaparecimento fosse registado e as buscas começassem de
imediato.
Na posse da informação sobre o local donde Rafael tinha feito o
último contato com o pai a polícia desenhou um plano de buscas em círculos
concêntricos, tendo como epicentro a escola. Foram vasculhados todos os
recantos, os moradores ao longo do percurso foram inquiridos e o pessoal da
escola foi interrogado. O resultado era pobre em informação. A primeira coisa
estranha era que o porteiro não tinha qualquer registo do rapaz ter dado
entrada na escola, portanto o que quer que tivesse acontecido tinha sido no
exterior desta. Isso desresponsabilizava e escola, embora, ver um dos seus
alunos desaparecido, fosse uma coisa que preocupava a todos. As buscas prosseguiram
durante toda a manhã sem qualquer resultado positivo. Ninguém sabia nada e ninguém
tinha visto nada. Os próprios colegas, que tinham chegado à escola mais ou
menos à mesma hora que ele tinha telefonado ao pai, não se recordavam de o ter
visto. O desaparecimento era um mistério.
«O senhor tem a certeza que o seu filho estava perto da escola
quando telefonou?» Perguntou o subchefe, que comandava as buscas.
Aquela era o tipo de pergunta que o irritava.
«Como sabem eu não estava aqui para ver, mas o meu filho não
costuma mentir. Se ele disse que estava a chegar à escola era porque estava.»
Disse ele exasperado.
«O senhor tem de manter a calma, nós apenas queríamos confirmar
esse aspeto. Todos os pormenores são importantes nesta fase.»
Ele já não sabia o que pensar. Entretanto, os vizinhos mais
velhos, que já estavam aposentados, formaram vários grupos e decidiram começar
as buscas perto de casa do Rafael. À medida que a manhã avançava o pai ia ficando
mais preocupado. «Quem poderia querer fazer mal ao meu filho?» Interrogou-se.
Uma ideia começou a ganhar forma dentro dele. O Rafael ia aparecer sem qualquer
mazela. Quem estava a fazer aquilo apenas o queria atingir a ele. Se assim
fosse rapidamente teria notícias do filho e do que queria o mandante do seu
desaparecimento.
O sistema de alerta da polícia judiciária emitiu uma informação
sobre o rapto. Mónica Fonseca não deu muita relevância ao assunto pois não era
a sua área de investigação. Apesar disso algo a levou a dar uma leitura rápida
à notícia. Nessa altura percebeu quem era a criança desaparecida e lembrou-se
que isso podia estar ligado às mortes que estava a investigar. Era uma
possibilidade um tanto ou quanto remota, mas a verdade é que os casos tinham em
comum o facto de ambos estarem ligados ao palacete da Lapa. Decidiu dar lá um
salto, não sem antes se coordenar com a PSP.
O segurança recebeu Mónica Fonseca com deferência, mas com
estranheza.
«Não entendo o que um caso de desaparecimento de um menor tem a
ver com área de investigação criminal da polícia judiciária.» Disse ele.
«A questão pode ser mais complicada, mas para já apenas queremos
saber se o senhor viveu ou tomou conhecimento de algum facto que possa ter
desencadeado o desaparecimento do seu filho.»
Ele hesitou ligeiramente como quem reflete sobre a resposta a
dar.
«Não.» Disse ele com
convicção
«Isto pode ser alguém a quer vingar-se de si. Não se recorda
mesmo de nada de diferente que tenha acontecido nos últimos tempos?»
O segurança lembrou-se da cena do subterrâneo e da mulher que
descobrira lá dentro. Isso era um facto relevante cuja existência ele decidiu
não revelar. Mónica não insistiu com mais perguntas. O pai do Rafael estava
debilitado e ela podia voltar mais tarde, depois da situação resolvida e fazer
todas as perguntas. O caso não era seu e apenas estava interessada nas
possíveis ligações entre este e os casos que investigava. Ela suspeitava que o
rapto estava ligado ao assassinato da jornalista, mas, infelizmente, não tinha
como o provar. Olhou uma última vez para o segurança. A sua intuição dizia-lhe
que o homem estava a mentir.
A descoberta foi feita por um dos grupos de idosos que faziam as
buscas perto de casa. Rafael estava são e salvo. Foi encontrado preso e
amordaçado, entre os arbustos do jardim, mesmo ao lado de casa. O pai
transbordava de alegria e quando viu o filho foi tomado de emoção. Chorou.
Chorou como um bebé, mas era um choro bom. Era um choro de alegria.
Já a tarde ia a meio quando a polícia deu por concluída a
investigação, depois de ter entrevistado o pai e o filho. Rafael quando estava
perto da escola lembrou-se que se tinha esquecido do livro de português e
voltou a casa para o buscar. Quando estava a chegar ao jardim os homens apareceram
de rompante e levaram-no. O Rapto era um mistério, pois não lhe fizeram mal
nenhum nem pediram qualquer resgate. Isso deixou o segurança cismado e confuso.
Ao início da noite ele recebeu uma mensagem, muito enigmática, no telemóvel. Não
conhecia o remetente, mas a mensagem dizia:
“Todos os atos têm
consequência! É uma pena quando é o filho a pagar pelos atos do pai. Shhh...! “
Ele leu mensagem vezes sem conta para ter a certeza de como a
interpretar. A conclusão foi sempre a mesma: Tinha de ficar calado.
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