O
PAI NATAL TECNOLÓGICO
A
importância daquele prémio era impossível de traduzir em palavras. Filomena
tinha dedicado muito tempo e esforço, para cumprir todos os objetivos, mas
tinha valido a pena. Quando recebeu a caixa com o telemóvel, topo de gama, não
conseguiu evitar uma pontinha de emoção.
Filomena
era a matriarca de uma família que, não sendo rica, vivia com desafogo. Os três
filhos tinham aquilo de que necessitavam, embora sem luxos: o orçamento não os
permitia. Finalmente, iria poder concretizar o sonho do filho mais velho: iria
oferecer-lhe o telemóvel.
«Eu apoio a decisão que tu tomares. Apenas te
recordo que tens outras opções: podes vender o telemóvel e comprar uma coisa
para ti, ou ficar com ele.»
«Eu sei, mas o nosso filho quer tanto ter
este telemóvel que vai ser a melhor prenda de aniversário que lhe podíamos
dar!»
Estavam
os dois de acordo. Daniel tinha sonhado o ano todo com o telemóvel e quando
percebeu que a mãe estava prestes a ganhá-lo não falava de outra coisa. O
telemóvel valia à volta de mil euros e com esse dinheiro eles podiam fazer
muitas coisas, mas o amor dos pais foi mais forte. A expressão de felicidade no
rosto de Daniel valia qualquer sacrifício. Agradeceu aos pais, como se tivesse
recebido a coisa mais valiosa do mundo. O abraço que os uniu, aos três, foi um
momento muito emotivo.
Daniel
chegou cedo à faculdade e foi quando soube da novidade. A Clarisse não tinha conseguido
fazer a apresentação do trabalho de programação. Os computadores da faculdade
estavam com problemas e ela tinha perdido o trabalho todo. Se tivesse um
portátil nada disso teria acontecido. Estava perfeitamente inconsolável. Daniel
foi falar com ela. Clarisse era de uma família pobre, do norte do país. Estudava
graças a uma bolsa de estudos e a algum apoio da família. Com a doença da avó, as
coisas tinham-se complicado. Todos tiveram de fazer sacrifícios e a aquisição
de um computador tornou-se uma miragem.
«Como fazes para realizar os trabalhos?»
«Utilizo os computadores da faculdade, sempre
que estão livres.»
«Mas isso é um pesadelo!»
«É verdade, sobretudo porque o horário em que
estão mais livres é o noturno e eu vivo fora de Lisboa!»
Ela
estava acostumada a contornar todas as dificuldades e, apesar de todas elas,
era uma aluna brilhante, mas custava-lhe muito não ir a casa pelo Natal. O
professor tinha-lhe dado uma segunda oportunidade, mas ela tinha de refazer o
trabalho e apresentá-lo no dia vinte e oito. Isso só era possível se ela ficasse
em Lisboa e usasse os computadores da faculdade. Perante o desespero da colega,
a sua alegria e vaidade pareceu-lhe tão fútil que decidiu ajudá-la. No dia
seguinte, chamou Clarisse à parte e entregou-lhe uma mala com um computador
novo. Ela não queria acreditar. Era um computador topo de gama. Agora ela podia
ir passar o Natal com os pais e fazer o trabalho em casa. A primeira reação foi
recusar, mas Daniel insistiu.
«Só aceito se puder pagar-te o computador, ainda que seja
no futuro.»
«De acordo. Se um dia eu precisar tu
retribuis.» Disse Daniel.
Daniel
estava verdadeiramente feliz. Por estranho que pudesse parecer tinha sido mais
gratificante oferecer o computar do que receber o telemóvel, apesar de este ser
o seu sonho.
O
espírito do Natal tinha tomado conta da casa e não faltava nada: desde os
enfeites na árvore, ao pequeno presépio, às renas espalhadas pela casa, ou aos
centros de mesa. Daniel fazia aniversário no dia vinte e depois do jantar
cantaram-se os parabéns. Nessa altura, o pai pediu o telemóvel novo ao filho
para tirar umas fotografias. Daniel ficou quieto e sem dizer nada. Perante a
insistência do pai, que começava a ficar nervoso, ele entregou o telemóvel.
«Este é o telemóvel velho. Onde está o que a
tua mãe te ofereceu?»
Depois
de alguma hesitação ele respondeu.
«Vendi-o.»
Os
pais olharam um para o outro sem saber o que fazer. O pai viu a esposa prestes
a explodir. Ele imaginava o que ela devia estar a sentir, depois de todos os
sacrifícios que tinha feito, para realizar o sonho do filho, saber que este
tinha vendido o telemóvel e gasto o dinheiro em sabe-se lá o que… Segurou a mão
dela e pediu-lhe calma com o olhar. Usou o tom mais calmo que pôde, embora
fosse visível o esforço que fazia para se controlar.
«Queres explicar isso melhor.»
Daniel
explicou o que se tinha passado com a Clarisse e como ele tinha vendido o
telemóvel para lhe comprar um computador.
«Eu não esqueço o vosso gesto, nem ignoro os
sacrifícios que fizeram para me dar o telemóvel. Mas era muito mais importante
para a Clarisse ter um computador, do que para mim ter um telemóvel novo, por
maior que fosse o meu desejo em possuí-lo.» Disse o Daniel, não contendo a
emoção.
A
tensão esvaziou-se e os pais entreolharam-se. O filho tinha-se desfeito do
telemóvel, mas a razão desse ato era tão nobre, que o tornava perfeitamente justificável.
Daniel tinha, efetivamente, um coração de ouro. Abraçaram-no e partilharam a
emoção do momento.
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