OS
CONJUGES
Tinha
sido o melhor ano de sempre. A prestação de serviços na área tecnológica estava
em franco crescimento e, como líder de mercado, a empresa tinha colhido uma
fatia considerável do mesmo. A comemoração foi feita num evento onde os
colaboradores foram desafiados a levar os seus companheiros e companheiras. Era
uma nova prática que pretendia fortificar a relação entre a família e a
empresa, aspeto fundamental, dado o número de horas que todos dedicavam ao
trabalho.
A
concentração foi ao início da tarde, seguindo-se uma hora de convívio para que
os cônjuges se sentissem mais à vontade. O ambiente estava fantástico e, apesar
de algumas resistências pontuais, manifestadas quando a ideia foi anunciada,
estava toda a gente satisfeita. A chamada apanhou todos de surpresa.
«Pede-se que se dirijam para a sala.» Disse a
voz feminina, no altifalante.
As
pessoas foram sendo encaminhadas para os seus lugares. Os colaboradores
ficariam na primeira metade da sala, ocupando-a da frente para trás. Enquanto os
cônjuges, ficariam na segunda metade, ocupando-a de trás para a frente. Esta
separação desagradou a uma boa parte das pessoas, mas logo perceberam o
objetivo. Os colaboradores iriam ser convidados a participar num jogo e os
cônjuges seriam a assistência.
«Isto só podia vir da cabeça daquela mulher
dos recursos humanos!» Disse Arnaldo, para um dos subordinados, que se sentou a
seu lado.
Lá
atrás a confusão era total. Ninguém se conhecia e as pessoas foram-se sentando
ao acaso. Clara tinha-se ausentado para fumar um cigarro e teve de sentar-se no
único lugar vago, que era na fila da frente dos cônjuges. O homem a seu lado
sorriu-lhe e apresentou-se.
«Eu sou o Orlando, marido da Elsa.»
«Prazer. Eu sou a Clara, esposa do Arnaldo.»
Entre
os dois grupos existia um espaço considerável, de forma que era possível os
cônjuges falarem entre si, sem perturbarem o jogo dos colaboradores. Clara
estava pouco interessada no jogo e preferia não tirar os olhos do marido,
controlando todos os seus movimentos. Era um homem alto e vistoso, embora com alguma
protuberância abdominal. Quando ele deixou de ser visível ela focou a sua
atenção no vizinho do lado. Era mais novo que ela e possuidor de uma figura de
uma elegância irrepreensível. Se não fosse o nariz comprido, seria um homem
muito atraente.
«O que faz a sua esposa?»
«É a diretora de recursos humanos. E o seu
marido?»
«É o diretor comercial.»
Por
coincidência os respetivos cônjuges eram diretores da empresa. Eles eram ambos
licenciados em engenharia, embora em áreas diferentes, tendo frequentado o
Instituto Superior Técnico em datas também distintas. Ela era seis anos mais
velha que ele. O marido de Clara viajava muito e passava alguns fins-de-semana
fora de casa, devido ao trabalho. Mas, mesmo quando estava em Lisboa, ia muitas
vezes jantar com clientes. A esposa dele também se ausentava em trabalho
algumas vezes. Ele brincou com o assunto.
«Ela tem a mania do Instagram. E todas as
vezes que sai publica fotografias. Diz que é para eu saber onde ela anda. Na
verdade eu não ligo nada a isso.»
«Curioso. O meu marido faz o mesmo.» Disse
ela, retirando o telemóvel do bolso.
Para
demonstrar aquilo que dizia, Clara começou a mostrar as fotografias ao Orlando.
Eram fotografias em que ele aparecia sempre sozinho, quer fossem tiradas por
ele ou por terceiros. Orlando era um homem que trabalhava com imagens, embora
ligasse pouco às redes sociais.
«Posso ver melhor essa fotografia do seu
marido?»
Clara
passou-lhe o telefone para as mãos e ele ampliou-a. Arnaldo estava de costas
para um espelho que, embora ficasse algo afastado, refletia a imagem da pessoa
que aparentava estar a tirar-lhe a fotografia. Era nada mais, nada menos, que Elsa, a
esposa dele. Sorriu.
«Neste dia eles estavam os dois no mesmo
local.» Disse Orlando.
Clara
olhou para ele com ar preocupado, depois soltou uma gargalhada.
«Claro! Eles trabalham na mesma empresa!»
Orlando
não disse nada. Para ele o motivo era óbvio. Quando o jogo terminou eles
juntaram-se aos cônjuges e não voltaram a cruzar-se durante a noite, a não ser
quando iam a sair.
«Olá!» disse Orlando, sorrindo mesmo ao seu
lado.
«Olá!» Respondeu Clara.
Elsa
e Arnaldo olharam um para o outro com um ar comprometido e evidenciando surpresa
e contrariedade. Clara esclareceu de imediato a situação.
«Eu e o esposo da tua colega, ficamos
sentados ao lado um do outro, enquanto vocês fizeram o jogo.»
«É verdade. Até acabamos por confidenciar que
vocês viajam muitos e algumas vezes em conjunto.» Esclareceu Orlando.
Elsa
e Arnaldo cumprimentaram os cônjuges dos colegas de forma simpática, mas seca. Era
óbvio que estavam desconfortáveis com a situação. «Eles não querem mesmo
misturar os negócios com a família. A Elsa sempre disse isso!» Pensou Orlando.
Por sua vez Clara ficou convencida que os dois não se davam muito bem, pois ambos
queriam sair dali o mais rápido possível.
No
fim-de-semana seguinte Arnaldo tinha um evento, no sábado, no Algarve e partiu
na sexta, ao fim do dia. Iria pernoitar no hotel. Como de costume publicou uma
fotografia, tirada no restaurante, onde aparecia com o mar a servir-lhe de
fundo. Clara lembrou-se do comentário do Orlando e foi rever a fotografia em
que ele tinha identificado a Elsa. Quando a ampliou verificou que a mulher do
Orlando, enquanto tirava a fotografia ao marido dela, lhe estava a enviar um
beijo com os lábios. Aquela cena não combinava com o comportamento que os dois
tinham tido, quando se encontraram no evento da semana anterior. Recordou a
figura da colega do marido. Era uma mulher alta e loira, com olhos azuis e um
corpo perfeito. Na verdade era bem mais interessante do que ela. Para além
disso, devia ser uns seis anos mais nova. Embora sem nenhuma razão aparente, o
ciúme começou a corroer-lhe a alma. Descobriu o Orlando no Linkedin e
enviou-lhe uma mensagem. Queria saber se a mulher dele também tinha ido para o
Algarve. Fê-lo de maneira a não levantar suspeitas para não parecer paranoica.
Não satisfeita com isso, procurou a Elsa nas várias redes sociais, acabando por
a encontrar no Facebook. Infelizmente, o perfil dela estava fechado e ela não
pôde aceder a nenhuma das suas publicações.
No
sábado, ao fim do dia, o marido chegou e ela jogou-se ao pescoço dele e fez-lhe
uma receção calorosa. Ele correspondeu, embora sem entusiasmo.
«Foi uma viagem para esquecer. Na sexta a
sessão terminou já passava da meia noite e hoje começou à nove e só terminou às
cinco. Estou de rastos!»
«Apetecia-me tanto ir jantar fora!» Disse
ela.
«Desculpa mas hoje não dá!»
«Não te preocupes. Vou fazer uma massa com
camarões. É rápido e tu adoras. Depois ficamos a namorar no sofá.»
«Eu não tenho grande fome. Vou comer uma sopa
e depois vou dormir. Estou mesmo muito cansado!» Disse ele, de forma sincera.
O
rosto dela expressava a mais profunda das desilusões, mas ele nem reparou
nisso. O telefone deu sinal de que tinha entrado uma mensagem. Ele leu-a e
sorriu muito ligeiramente, mas ela percebeu. Estava confusa e irritada. Ele retirou-se para o quarto e ela ficou na
sala. Passou a pente fino todas as publicações dele no Instagram e no Facebook.
Conseguiu identificar mais seis fotografias onde lhe parecia que a colega dele também
estava. Numa delas era visível o nome do Hotel Tivoli.
No
domingo Arnaldo acordou bem-disposto e foram os dois dar um passeio. Todas as
vezes que ele recebia uma mensagem ou um email ela não conseguia evitar de
espiar a sua expressão. Cada sorriso, cada trejeito era mais uma confirmação:
Ele tinha uma amante. A desconfiança tinha minado o seu espírito e não conseguia
fazer nada para se libertar dela. Quase não consegui dormir e de manhã estava
muito cansada e sem paciência. Tudo lhe parecia mau e o futuro apresentava-se
negro. Durante as horas de insónia tinha gizado um plano. Pegou no telefone e
ligou para a empresa do marido. Depois de se identificar foi atendida por uma
pessoa dos recursos humanos.
«O meu marido pediu-me para eu organizar as
despesas dele, mas não consigo encontrar nada da estada dele no Tivoli, no
segundo fim de semana de Setembro.»
A
mulher, do outro lado da linha, demorou algum tempo a responder.
«Deve existir alguma confusão. O doutor
Arnaldo não esteve no Hotel Tivoli nesse fim de semana. O hotel em que esteve
foi o Hilton.»
Clara
não sabia o que dizer. Fez-se um silêncio incomodativo, apenas interrompido
pela mulher dos recursos humanos.
«Sim? Está aí D. Clara?»
«Sim. Peço desculpa. Devo ter feito confusão
com o hotel...»
Desligou
a chamada e desatou num choro convulsivo. Era óbvio que ele andava a enganá-la.
Por que outra razão iria ao Tivoli se de facto estava hospedado no Hilton?
Seguramente tinha ido encontrar-se com a amante. Mandou nova mensagem ao
Orlando, perguntando-lhe se a mulher dele tinha estado fora no fim de semana em
causa. Ele não respondeu. Homens! Durante três fins de semana o marido não se
ausentou, mas no quarto teve uma reunião em Troia: pernoitaria de sexta para
sábado. Ela contratou um detetive para o seguir. As fotografias que este lhe
apresentou não eram conclusivas, mas ele aparecia duas vezes a entrar no elevador,
atrás da Elsa, tendo subido os dois sozinhos, para o mesmo piso e, de acordo com o registo do
detetive, desceram, separados, duas horas depois.
Quando
ele chegou a casa ela recebeu-o com a artilharia toda. Acusou-o de a trair e
mostrou-lhe as evidências. Ele manteve-se calmo e afirmou que era tudo mentira
e que as fotografias não provavam nada. Ela era a única mulher da sua vida.
Apesar disso, ela tinha a certeza que ele tinha outra e até lhe disse quem era.
Arnaldo riu a bom rir. Ela entendeu isso como um sinal de culpa, mas ele negou
categoricamente que a Elsa fosse sua amante. Pareceu-lhe sincero, mas a dívida permaneceu. Finalmente, conseguiu falar com o Orlando. Ele disse-lhe que a
mulher apenas tinha estado fora em dois dos fins-de-semana que ela tinha mencionado.
«Então e aquela fotografia em que ela lhe
está a mandar um beijo não prova nada?»
Orlando
analisou as duas fotografias, com uma lupa e concluiu.
«A minha mulher não é quem está a tirar a
fotografia. Vê-se a cabeça de outra pessoa mais baixa que é quem segura a
máquina. Ela está por detrás dessa pessoa a mandar um beijo para uma amiga que
está atrás do teu marido, que aliás eu também conheço.»
«Então e a fotografia no hotel errado?»
«Estás a ver mal a coisa. O Tivoli aparece na
fotografia porque o Hilton tem um bar envidraçado e do outro lado da rua está, exatamente, o Hotel Tivoli, por isso o nome aparece na fotografia.»
Ela
percebeu que tinha entendido tudo ao contrário e que estava a fazer um
julgamento errado do marido. Quando se encontraram à noite, em casa, ela pediu
desculpas e fizeram as pazes, com a promessa de que ela não voltaria a
desconfiar dele.
«A propósito. Amanhã tenho um jantar com
clientes no Sheraton e devo vir muito tarde.»
Os
corpos transpirados enrolaram-se novamente um no outro: o desejo entre eles era
insaciável. Devoraram-se com beijos loucos de paixão e entregaram-se novamente
ao desejo, de forma insana. Os corpos cansados diziam: chega, mas o desejo gritava:
quero mais! Finalmente adormeceram, nos braços um do outro. Acordaram de
madrugada com o despertador.
«Acorda temos de ir para casa.» Disse
Patrícia.
«Estou tão cansado que não sei se tenho força
para me vestir!» Disse Arnaldo.
«Tens que ir para casa antes que a tua mulher
tenha outro ataque de ciúmes!»
Arnaldo
tomou banho para acordar, vestiu-se e foi para casa. Quando se deitou na cama a
mulher, que ia dormindo e acordando, na expetativa da sua chegada, enrolou-se
nele. Estava demasiado cansado para a afastar e deixou-se adormecer encaixado
nela. Clara adormeceu também. O seu amor estava ali, ao lado dela. Estava tudo
bem!
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